ricardorosas rosas on Wed, 27 Sep 2006 16:00:21 +0200 (CEST)


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[nettime-br] Fred Forrest - Arte e Tecnologia x Arte Contemporânea?


 Fred Forrest, em seu protesto contra a Bienal deste ano, parece querer
tocar o dedo nessa ferida entre arte e tecnológia e a arte contemporânea. Na
verdade, o assunto tem rendido inúmeras discussões e reportagens tanto aqui
no Brasil como lá fora. Fala-se em morte da mídia-arte e da net-arte tanto
quanto se fala em net-arte 2.0. Os argumentos tocam igualmente no que seria
uma cisma entre a arte contemporânea e seu "jet-setismo" de mercado e as
traquitanas high-tech da arte tecnológica, como se fossem dois mundos
inconciliáveis e sem diálogo. Será mesmo? Ou será que o buraco não é mais
embaixo?

Ultimamente, o mundo das bienais e documentas tem se aberto à video arte,
antes de certa forma fora dos circuitos mais prestigiados. Não será o caso
de que se dê o mesmo com a arte e tecnologia dentro de algum tempo?

Mesmo assim, alguns parecem alardear igualmente uma crise da arte
tecnológica, e o foco na espetacularidade da arte contemporânea por sua vez
reflete igualmente outra crise.

Uma coisa que parece patente, por um lado, é ainda um distanciamento de
questões mais políticas tanto de uma arte como de outra, por um lado um
mergulho cego nas tecnologias sem crítica alguma, e por outro a celebração
de uma arte de eventos relacionais que mais parece um divertimento para
executivos num final de semana que uma alternativa crítica.

O interessante que vejo nessa Bienal é não apenas deixar entrever esse
conflito, como aqui o faz Forrest com clareza absoluta - o que pode ser
visto justamente na quase total exclusão de artes relacionadas à web (no que
pouco difere de bienais como a Whitney ou a recém-cancelada Manifesta), e
quando o "como viver junto" é mais que uma das questões fundamentais hoje na
Internet, em seus instrumentos e na sua "arte" -, como mostrar, aqui sim um
ponto positivo, novas formas de arte contemporânea que problematizam esse
viver junto (que o radicalismo de Forrest não quer também enxergar), mas de
uma forma pouco tecnológica. Toda essa "nova" arte relacional, de
comunidade, "arte pública de novo gênero", arte participatória, dialógica,
traz sim aportes novos que têm gerado debates em torno de sua efetividade
estética ou política e que, queira-se ou não, questiona tanto o padrão
convencional da arte a que estamos acostumados quanto a "arte numérica"
defendida por Forrest.

A questão talvez seria: em que ponto estas tendências dialogam? Como fazer
estas artes "viverem junto"? Não será que já há exemplos de simbioses que
mal ignoramos? Posso mesmo pensar numa série de exemplos que casam ambas as
tendências.

Uma coisa que acho interessante pensar é como, por exemplo (e isso é um caso
claro aqui no Brasil), os ditos coletivos artísticos trafegam sem culpa
nenhuma entre ambas as formas, e misturam arte e tecnologia e arte
relacional ou arte ativista, sem categorias estanques, sem classificações,
sem essas separações que a mídia e (ao que parece) o mundo da arte insiste
em fazer, e sua total (ou quase) ausência da Bienal.

Uma questão a se pensar.

Segue o texto de Fred Forrest:

*Como viver junto numa realidade real... *

*...e já, no entanto cada vez mais virtual?
*
A 27ª Bienal de São Paulo decorrerá de 7 de Outubro a 15 de Dezembro de 2006
sobre o tema de um conceito emprestado a um filósofo francês do *Collège de
France*, desenvolvido sob a forma de um curso em 1977: *como viver junto*.
Trinta anos - quase meio século - passaram-se desde então. É o caso de dizer
se já foi há muito tempo? Nessa época o bloco soviético dominava, a Internet
ainda não existia, e partidários do Helzbollah e israelenses não se
colocavam ainda essa questão que se tornou crucial para eles como todos
sabem, *como viver junto*? Hoje, o filósofo já se encontra desaparecido,
após um banal acidente de trânsito. Um acidente como acontecem centenas
todos os dias nas grandes avenidas de São Paulo, mas a instituição cultural,
sem se preocupar minimamente com o fato do mundo ter mudado fundamentalmente
em trinta anos, recupera e recicla esse conceito para consolidar a sua
legitimidade e o seu próprio poder. Por falta de sorte para a Bienal,
o *Collège
de France* também desapareceu nesse mesmo ano da famosa "classificação de
Shangai" que é uma autoridade em listar os 500 melhores estabelecimentos
mundiais para produzir o pensamento. Criada em 2003 por um professor da
universidade Jiao Tong de Shanghai, a classificação visava originalmente
comparar o nível das universidades chinesas com as melhores mundiais. Mesmo
contestada, como qualquer classificação, ela se tornou um indicador
reconhecido e o seu impacto não é negligenciável na competição internacional
para qualquer intelectual que se respeita. O *Collège de France* não é mais
a referência incontornável para confirmar a realidade complexa de hoje.
Tê-lo como referência é, antes de mais nada, remeter-se ao passado.

A 27ª Bienal de São Paulo seria, consequentemente, antes mesmo da sua
abertura, uma manifestação obsoleta?

Longe de nós a idéia de pretender julgar o valor e a pertinência dos
artistas convidados pelos comissários da Bienal para ilustrar esse conceito
à geometria variável do *como viver junto*. Contudo, não creio que artistas
oficiais, puros produtos do poder do mercado, como Dominique
Gonzales-Foester ou ainda Rirkrit Tiravanija sejam os mais congruentes para
fazê-lo. Não é bebendo uma xícara de chá com o primeiro galerista em vista,
ou criando uma decoração para uma loja de moda em Nova Iorque, que alguém se
torna obrigatoriamente o melhor qualificado para nos ensinar a viver com um
delinqüente oriundo de uma favela ou com um integrista islâmico sentado num
avião ao seu lado num vôo entre Londres e Nova Iorque. Mas poderes que
sobrevivem, como aqueles do Palácio de Tóquio na França, são ainda capazes
de impor em 2006 os seus modelos artificiais, como o constatamos, sob a
forma de um neo-colonialismo do pensamento cuja força assola à distância, do
hemisfério sul, até o outro lado do Atlântico. Se tudo isso não foi
compreendido pelos Comissários dessa 27ª Bienal, ignorando como parece *um
viver junto *mais político e menos mundano, como por exemplo aquele
ilustrado pela *arte sociológica*, será o seu próprio ambiente que irá se
encarregar de ensiná-los mais rapidamente do que eles imaginam.

A revolução numérica, a exemplo da revolução tipográfica, talvez esteja
prestes a mostrar, não aquilo que conta mais aos nossos olhos hoje, mas
aquilo que será perceptível mais tarde: uma nova dimensão estética e uma
nova arte de viver junto. Na maioria das vezes, inconscientemente, a nova
técnica não só revela-se "mais eficaz", mas também a sua generalização
provoca automaticamente transformações, tanto no nosso meio ambiente quanto
nos nossos modos de pensar. Com a metamorfose da imagem analógica em imagem
numérica, assistimos a uma ruptura epistemológica e podemos creditar a idéia
segundo a qual qualquer técnica impõe a longo prazo uma dimensão estética,
ética e social. Três palavras-chaves, como já dissemos, definem as
possibilidades do numérico: simulação, interatividade e tempo real. As
imagens de síntese geradas por computador podem tanto simular a realidade em
três dimensões com um realismo surpreendente como inventar os universos
fantasmagóricos mais improváveis. Além do mais, estas imagens têm sua vida
própria. Podemos agir sobre elas, elas reagem, transformam-se, e isto
mesmo à distância e instantaneamente entre dois pontos quaisquer do
planeta... As conseqüências de tal evolução (revolução) são sem
antecedentes. A criação da arte encontra-se radicalmente afetada na medida
em que, como dizíamos, é a própria teoria estética que deverá, ela mesma, se
reconsiderar? A simulação coloca em causa todas as idéias adquiridas sobre a
"representação" durante a sua longa história. O numérico ganha, todos os
dias, mais terreno e condiciona o nosso cotidiano tanto no trabalho como nos
momentos de lazer. O tempo em que a informática limitava-se apenas a
formalizar textos ou a alinhar seqüências de algarismos pertence ao passado.
Hoje, flanqueado de um modem, amanhã de uma antena de rádio, o computador
passa cada vez mais tempo a comunicar. Nós já estamos numa era onde as
imagens, as fotografias e os sons se trocam e se transformam... sem nunca
passar por uma etapa física. O vídeo numérico generalizado em tempo real irá
amanhã completar a panóplia da comunicação eletrônica. O numérico ultrapassa
o muro da comunicação. E para além desses aspectos, é a percepção e o
controle que cada um tem sobre a sua própria imagem que correm o risco de
ser alterados. O numérico abre completamente a porta a todas as formas de
"irrealização", uma " irrealização" que, para ser extremamente estimulante e
rica no plano da imaginação artística, pode revelar-se perigosa, ilusória e
enganosa. Os mundos virtuais têm esta propriedade singular de poder nos
imergir inteiramente em ambientes de puro artifício que, de acordo com uma
lei bem conhecida, irão se tornar possivelmente um dia os nossos ambientes
naturais. Os artistas devem ter consciência disso e, para compensar os
deslizes sempre possíveis, se apropriar desses novos instrumentos de
expressão, a fim de transmitir as suas próprias visões do mundo. Depois de
aplicadas nos setores industriais, da educação, da medicina, agora é a arte
e a sua ética que vão precisar se adaptar a essa evolução... mesmo se a 27ª
Bienal manifesta uma certa lentidão de compreensão. Se basicamente trata-se
de uma batalha industrial, é preciso salientar que os desafios culturais e
simbólicos são consideráveis com as conquistas do numérico. E ainda é
preciso salientar como a introdução da tecnologia numérica na arte contribui
para a alteração da relação do público e dos indivíduos entre si. E assim
sendo no seu *como viver junto*. A criação numérica com a ajuda do
computador desenvolve-se no sentido de uma aproximação sempre mais estreita,
em relação a tudo que diz respeito, não somente da "morfologia" técnica das
obras elas mesmas, mas também da criação de "relações" que condicionam a sua
natureza intrínseca... As imagens de síntese apresentadas pela televisão nos
filmes e a publicidade contribuem para familiarizar o grande público com
essas novas formas de expressão. Assim, um fenômeno de aculturação se esboça
desviando uma parte dos constrangimentos de produção do numérico para um
deslocamento determinado da criação artística à estética social. Com a arte
numérica, o público geralmente se vê colocado perante um objeto que ocupa um
espaço e uma duração dinâmicos, enquanto que na obra "clássica" era
confrontado com um objeto acabado. Eric Wenger declara: "a informática
permite-nos criar um simulacro do universo, uma falsa imitação que se
transformaria num objeto de estudo da mesma maneira que o real". Quanto a
William Latham, ele acrescenta: "Além do imaginário, estou pronto para
reconstituir mundos mais reais que o natural, nos quais os vegetais ou os
animais serão programados em função de um meio ambiente ideal." Mais do que
uma obra "acabada" definida de acordo com as regras tradicionais, trata-se
de um dispositivo multimídia, uma situação de experimentação na qual o
público a quem ela é confiada pode intervir. Essa experimentação dá a
entender igualmente a das relações humanas pela multiplicação das interfaces
e as trocas a distância que abolem o espaço. Essa situação inédita não é sem
conseqüências para a percepção da arte, sua intelecção, e precisamente o seu
papel em *como viver junto*. Essa reatualização nunca foi esboçada
frontalmente por alguns críticos de arte e pensadores da arte contemporânea
que continuam acampados no conforto de terrenos tradicionais e sem grandes
surpresas. Essa situação é reveladora do defasamento que atinge a posição da
arte contemporânea, a sua separação do público, a crise da criação, os
escândalos dos seus circuitos, o descrédito das suas elites. A genealogia
das teorias estéticas modernas revela desde a revolução industrial uma série
de rupturas e "desconstruções" que têm como base o pensamento de Nietzsche,
Heidegger, Adorno, Derrida, o dadaísmo, o surrealismo, o Bauhaus, a Escola
de Chicago e os adeptos do modernismo. Chegou o momento de elaborar um
pensamento que estabeleça o seu propósito fora da eterna querela que se
trava a lotação completa entre tradicionalistas e modernistas, com os
humanistas de um lado e os tecnófilos do outro. Se consideramos a arte como
processo criativo, e não do ponto de vista da obra como objeto, duas
posições filosóficas se colocam opondo-se sobre as relações entre a arte e a
tecnologia. Além da oposição entre o amor da arte e o desejo de modernidade
está em jogo o estatuto do homem face a máquina: quem vencerá o outro na
busca do novo e do destino de uma nova sociedade, de uma nova fraternidade,
e de uma nova arte do *como viver junto*? Com a inteligência artificial, o
computador começa a simular os procedimentos e os funcionamentos do
pensamento. Será que ele simulará e instaurará as condições de uma total e
plena criatividade que anteriormente pertencia somente ao espírito humano?
Sobre esse ponto a opinião dos especialistas ainda se divide mas se
julgarmos pelas alterações e os questionamentos que marcaram esses últimos
cinqüenta anos tudo fica em aberto... O que aconteceria então com a condição
privilegiada do artista? O virtual, como dissemos, é mais que um meio de
comunicação suplementar: é um novo ambiente que se impõe a nós de maneira
muito "brutal". Não se trata mais da circulação de uma extremidade a outra
do planeta de simples imagens, fotografias ou programas de televisão, nem
mesmo dos colossais bancos de dados, mas de certa maneira das pessoas elas
mesmas. Isto induz para o futuro novas formas de nomadismo onde os
indivíduos serão por populações inteiras levados a deslocar-se, às vezes
instantaneamente servindo-se das redes telemáticas. Clones impalpáveis
habitarão os canais de transmissão tecnológicos onde se desenvolverá uma
sociedade paralela. O *como viver junto* é sem dúvida uma boa pergunta a ser
colocada em si, mas a resposta é oblíqua de antemão se ela finge ignorar
neste parâmetro o contexto tecnológico que será o nosso amanhã. E ainda se
uma falta de imaginação se perpetua entre os comissários e os organizadores
de bienais que os submete a pensar a arte olhando através de um retrovisor.
Quem os leva a comportar-se, que seja na floresta amazónica, como na selva
das cidades, como uns Jean-Jacques Rousseau um tanto ingênuos, perdidos no
meio de um terceiro milênio, possivelmente espiritual mas infalivelmente
tecnológico! É na complexidade e na extrema riqueza da relação entre
"visível" e "compreensível", entre "percepção" e "concepção", entre
"indivíduo" e "coletivo" que os artistas são levados a criar doravante uma
verdadeira escrita do virtual. À exceção das exposições e manifestações
impostas e ritmadas pelo mercado quem, nas esferas da arte contemporânea
oficial, ainda tem tempo de refletir sobre as conseqüências artísticas,
sociais, econômicas, políticas, psicológicas, tecnologias do virtual, de
suas conseqüências sobre a arte, sua concepção, sua produção, sua
divulgação, e o surgimento de um novo imaginário? No deserto e na indigência
do pensamento que caracteriza os meios da arte contemporânea, sobretudo
preocupados em contemplar seu umbigo no passado, ou em tratar os negócios
correntes para que sejam os mais prósperos possíveis, tais perguntas
continuam suspensas e sem resposta. O desenvolvimento de "comunidades
virtuais" como espaços de criação, mas também como espaços de interação
social mediatizados pelas tecnologias informáticas e pelas redes de
comunicação, oferece a oportunidade de estudar os mecanismos pelos quais os
grupos, as coletividades, geram e mantém a implicação de um novo terreno
social, o da *comunáutica*. Como essas novas comunidades virtuais se formam
e evoluem? No que as relações dentro dessas comunidades diferem das relações
no espaço real? Ou ainda, até que ponto a dinâmica da elaboração estrutural
do grupo virtual difere daquela das comunidades baseadas na co-presença
física ou lhe é semelhante? É nessa problemática que se colocam hoje as
verdadeiras questões que condicionam o *como viver junto*. Nós veremos bem a
resposta que a 27ª Bienal da São Paulo saberá, ou não saberá lhe dar? Como a
*Estética da Comunicação* o percebeu, praticou e teorizou, com artistas
reunidos em redor dos conceitos de telepresença, teleação e ubiqüidade
comunicacional, uma nova era se abre para o campo das artes e do *como viver
junto*. Nessa nova ordem os "mitos dinâmicos" da nossa época apenas pedem
para se materializar em obras de arte. Apesar disso, estes mitos ainda não
constituem utopias, mas tendências "fortes" que já imprimem o seu rastro nas
nossas sociedades. Os espaços virtuais além de estruturar o nosso
imaginário, enriquecer as nossas percepções, induzir uma nova abordagem do
espaço, são destinados a funcionar como instrumentos de mediação para um
número sempre maior de atividades ligadas à atividade cotidiana,
profissional e cultural. Nós os chamamos também na terminologia informática,
espaços compartilhados e espaços distribuídos. Uma palavra tornou-se em
poucos meses familiar nos nossos vocabulários: a de ciberespaço. Qual sua
abrangência? Para responder rapidamente, poderíamos dizer que se trata desse
"lugar" e desse "tempo" intimamente confundidos, criados pelas redes de
comunicação e as interconexões entre computadores, um "espaço-tempo" que
constitui em si um "novo" meio no qual o homem contemporâneo encontra-se
imerso e no qual ele desenvolve outras práticas de vida, de relações com o
mundo, relações com o seu semelhante e com o seu meio ambiente. Um espaço no
qual aprende as primeiras regras e rudimentos do *como viver junto*. Nas
comunidades virtuais em geral, como naquelas dos artistas que se constituem
na prática das redes e do ciberespaço, as necessidades e a cultura do grupo,
a "estrutura psico-social" dos participantes, determinam as regras
escolhidas, eventualmente a estética adotada. As necessidades dos
participantes, subjetivas, naturais, culturais, plásticas e circunstanciais,
hierarquizadas ou não, impõem finalmente regras e escolhas "socializando" a
tecnologia. As comunidades de redes do ciberespaço determinam implicitamente
regras e uma deontologia informais que respeitam certos princípios
filosóficos de funcionamento: a reciprocidade, a cooperação, o respeito dos
procedimentos aceitos. O sistema tem o interesse de promover a participação
de todos porque todos estão implicados nele. Apagando as fronteiras entre
criação artística e inovação social, colaboração e federação das energias,
esboça-se hoje esse *como viver junto* que nós todos desejamos do fundo da
nossa alma sem cair num humanismo antiquado e obsoleto. Podemos considerar
que a "cultura" dos "grupos virtuais" constituídos no ciberespaço continuará
se desenvolvendo. Soluções serão avançadas por um grupo de pessoas para
resolver problemas específicos do mundo que nos cerca e aos quais elas
precisam fazer face conjuntamente... Esta capacidade de "habitar" outros
corpos e mudar de aparência nos levará, através de rupturas psicológicas
sucessivas, a questionar o suporte do nosso próprio corpo e,
conseqüentemente, da nossa própria identidade... Marvin Minsky foi um dos
primeiros a chamar a nossa atenção a respeito do uso do capacete de
realidade visual, acoplado às imagens de síntese, não somente para permitir
controlar diretamente os robôs através das faculdades perceptivas e
cognitivas do homem, mas como o utilizador experimenta um estado de
consciência de um tipo específico, com a sensação de estar presente mas fora
do seu corpo. Compreendemos o quanto tais perspectivas não são (não podem
ser...) a médio prazo, sem conseqüências fundamentais para a evolução da
arte, seus conceitos e suas práticas e a instauração de um *como viver junto
* numa sociedade que terá outro ambiente. Durante muito tempo, a comunicação
artística (a comunicação simplesmente) operou principalmente através da
mensagem linguística e icônica dos seus símbolos, materializados pela voz,
pela escrita, pela pintura, pela escultura, ou qualquer outro meio de
reprodução como a tipografia, a fotografia. Com o vídeo, a TV e a Internet,
foi uma mudança fundamental que se produziu, e da qual as instituições de
arte na verdade se preocuparam muito pouco, como se tivessem se acantonado
numa posição de "resistência" que os teria levado a salvaguardar as formas
acadêmicas e oficiais que são as suas ainda hoje. Agora é a PBP (Pequena
Burguesia Planetária, conceito forjado por Jacques Henric) que acredita
ingenuamente não repetir o erro ridículo cometido pelos seus antepassados
perante Manet, porque visita o FIAC ou a Bienal de São Paulo, e renova todos
os anos o seu "laissez-passer" para o Beaubourg. Ela acredita formar uma
elite iluminada, quando consome apenas ersatz (sucedâneo). Ersatz que a
maior parte do meio da arte se consagra doravante a fabricar em sua intenção
sob a férula do comércio. O mecanismo clássico do mercado, multiplicar os
subprodutos para nunca deixar de se expandir, hoje em dia arrasta para a sua
engrenagem outras atividades profissionais. Alguns responsáveis de
instituições públicas e privadas, alguns críticos de arte, por serem mais
numerosos e agirem num campo em expansão, encontram-se do mesmo modo
expostos à concorrência. Eles precisam simplesmente justificar de sua
"presença". Além disso, ao contrário dos negociantes, esse pessoal cultural
prolífero usufrui de impunidade enquanto os especuladores podem ser, como
estamos verificando, chamados à realidade de uma deflação das cotações. Não
são mais as novas idéias que prevalecem, mas sim as idéias conservadoras. Em
particular as idéias conservadoras de antigas idéias novas. Como o meio da
arte tem tão pouco discernimento quanto ao escrito, quanto às obras
plásticas, a maior parte dos textos publicados oferece apenas um nível de
reflexão muito banal, isso quando não são apenas amálgamas de conceitos
emprestados, aqui e lá, e compreendidos de forma aproximativa. Nós
gostaríamos de insistir, uma vez mais, sobre o fato que com o suporte
catódico, a representação torna-se fluxo de transmissão sobre o (e dentro
do) conjunto do espaço, aquele do ciberespaço. O amador de arte não se
encontra mais em posição de "reativar" formas estáveis, ele é levado por um
movimento de "mensagens-imagens" contínuo. A espacialização polimorfa das
imagens e a sua comunicação icônica no seu fluxo ininterrupto fazem ao mesmo
tempo do monitor de vídeo e informático o "lugar" e o "objeto" da mensagem.
A mediação eletrônica não reproduz a maneira dos outros suportes
tradicionais, ela suscita um efeito de "ilusão-realidade". É necessário
defender a instauração imediata de uma arte atual que adota o espírito e os
instrumentos do nosso tempo, que vira a página, sem nostalgia nenhuma,
deixando à história o cuidado de julgar o valor que terá tido a arte
contemporânea oficial do mercado e das bienais, o que vem dar no mesmo!

*fred forest*, *artista multimédia, Doutor de Estado da Sorbonne, Professor
emérito da Universidade de Nice.* (O Paço das Artes lhe consagrou uma
retrospectiva do 22 de Maio ao 16 de Julho 2006).

*tradução*: *rosa andili branco de moraes

http://www.itaucultural.org.br/index.cfm?cd_pagina=2132&cd_materia=2053*
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