h.d.mabuse on 1 Nov 2000 17:34:39 -0000 |
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Re: [nettime-lat] nettime-lat es una burla |
Pra colocar um pouco de pensamiento de esquerda na lista :) � um texto longo, mas vale a pena ser lido! Inclusive para discurtir os pap�is de todos n�s nesse mund�o a fora, do Sbcomandante Marcos para a Nettime-lat: Nosso pr�ximo programa: Ox�moro! =============================== Num mundo em que a barb�rie tornou-se quotidiana, � preciso reconhecer a responsabilidade dos intelectuais que resistem. Depende da a��o deles saber se o protesto se esgotar� em den�ncia sem perspectiva ou, ao contr�rio, levar� � forma��o de novos atores sociais e, indiretamente, a novas pol�ticas econ�micas e sociais ------------------------------------------- Subcomandante Marcos "Para a figura denominada ox�moro, aplica-se a uma palavra um ep�teto que parece contradiz�-la; assim os gn�sticos falar�o de uma luz escura; os alquimistas, de um sol negro."". ------------------------------------------- Jorge Luis Borges ADVERT�NCIA, INTRODU��O E PROMESSA Aten��o: se voc� n�o leu a ep�grafe, � bom que o fa�a agora, porque pode n�o entender algumas coisas. Um fato irrefut�vel: a globaliza��o est� aqui. N�o a qualifico ainda, simplesmente assinalo uma realidade. Por�m, posto que ox�moro, � preciso assinalar que se trata de uma globaliza��o fragmentada. A globaliza��o foi poss�vel, entre outras coisas, por duas revolu��es: a tecnol�gica e a da inform�tica. Foi e ser� dirigida pelo poder financeiro. Juntas, a tecnologia e a inform�tica (e com elas o capital financeiro) diminu�ram dist�ncias e romperam fronteiras. Hoje � poss�vel ter informa��es sobre qualquer parte do mundo, a qualquer momento e de forma simult�nea. Mas tamb�m o dinheiro tem agora o dom da ubiq�idade, move-se de maneira vertiginosa, como se estivesse em todas as partes ao mesmo tempo. E mais, o dinheiro d� uma nova forma ao mundo, a forma de um mercado, de um mega-mercado. No entanto, apesar da globaliza��o do planeta, ou melhor, precisamente por ela, a homogeneidade est� longe de ser a caracter�stica desta troca de s�culo e mil�nio. O mundo � um arquip�lago, um quebra-cabe�as cujas pe�as se tornam outros quebra-cabe�as e a �nica coisa realmente globalizada � a prolifera��o do heterog�neo. Se a tecnologia e a inform�tica est�o unindo o mundo, o poder financeiro utiliza-as como armas, como armas em uma guerra. Antes hav�amos dito (o texto se chama "Sete pe�as soltas no quebra-cabe�as mundial", EZLN, 1997) que na globaliza��o trava-se uma guerra mundial, a quarta, e que se desenvolve um processo de destrui��o/despovoamento e reconstru��o/reordenamento (estou tentando resumir apressadamente, sejam benevolentes) em todo o planeta. Para a constru��o da nova ordem mundial (planet�ria, permanente, imediata e imaterial, segundo Ignacio Ramonet), o poder financeiro conquista territ�rios e derruba fronteiras, e o consegue fazendo a guerra, uma nova guerra. Uma das baixas desta guerra � o mercado nacional, base fundamental do Estado-Nacional. Este �ltimo est� em vias de extin��o, ou ao menos o Estado-Nacional tradicional. Em seu lugar surgem mercados integrados ou, melhor, lojas de departamentos do grande shopping mundial, o mercado globalizado. As conseq��ncias pol�ticas e sociais desta globaliza��o constituem um ox�moro reiterado e completo: menos pessoas com mais riquezas, produzidas com a explora��o de mais pessoas com menos riquezas, "a pobreza do nosso s�culo n�o � compar�vel a nenhuma outra. N�o �, como j� foi alguma vez, o resultado natural da escassez, mas o conjunto de prioridades impostas pelos ricos ao resto do mundo"1; para uns poucos poderosos o planeta abriu-se cada vez mais; para milh�es de pessoas o mundo n�o oferece lugar e elas vagam errantes de um lado para outro; o crime organizado forma a coluna vertebral dos sistemas jur�dicos e dos governos (os ilegais fazem as leis e "cuidam da ordem p�blica"; e a "integra��o" mundial multiplica as fronteiras). Deste modo, se ressaltarmos algumas das principais caracter�sticas da �poca atual, dir�amos: supremacia do poder financeiro, revolu��o tecnol�gica e inform�tica, guerra, destrui��o/despovoamento e reconstru��o/reordenamento, ataques aos Estados Nacionais, a conseq�ente redefini��o do poder e da pol�tica, o mercado como figura hegem�nica que permeia todos os aspectos da vida humana em todas as partes, maior concentra��o de riqueza em poucas m�os, maior distribui��o de pobreza, aumento da explora��o e do desemprego, milh�es de pessoas sem-teto, delinq�entes que integram o governo, desintegra��o de territ�rios. Em resumo: globaliza��o fragmentada. Bem, segundo esta considera��o, no caso dos intelectuais (haja vista que t�m a ver com a sociedade, o poder e o Estado) cabe perguntar: est�o padecendo do mesmo processo de destrui��o/despovoamento e reconstru��o/reordenamento? Que papel lhes atribui o poder financeiro? Como usam (ou s�o usados pelos) os avan�os tecnol�gicos e de inform�tica? Que posi��o t�m nessa guerra? Como se relacionam com os combalidos Estados Nacionais? Qual o seu v�nculo com esse poder e pol�tica? Que lugar t�m no mercado? E como se posicionam frente �s conseq��ncias pol�ticas e sociais da globaliza��o? Em suma: como se inserem nesta globaliza��o fragmentada? O mundo teria mudado por e para esta guerra. Se as coisas de fato s�o assim, os intelectuais cl�ssicos n�o existiriam mais, nem suas antigas fun��es. Em seu lugar, uma nova gera��o de "cabe�as pensantes" (para usar um termo criado pelo comandante zapatista Tacho) teria emergido (ou est� por emergir) e teriam novas fun��es em sua atividade intelectual. Ainda que pretendamos aqui nos limitar aos intelectuais de direita, ser�o evidentes algumas observa��es sobre os intelectuais em geral e sobre suas rela��es com o poder. Como o prop�sito deste texto � participar e alentar a pol�mica entre os intelectuais de direita e esquerda, fica aqui uma reflex�o mais profunda (sobre os intelectuais e o poder, e sobre os intelectuais e a transforma��o) para futuro e improv�veis escritos. Sauda��es, e tenha � m�o seu controle remoto. Em um momento come�amos... I -- A GLOBALIZA��O: PAY PER VIEW Na p�gina do calend�rio, o ano dois mil est� entre os s�culos 20 e 21. N�o me parece t�o importante esta contagem de tempo, mas me parece que � um momento adequando para que, por todos os lados, surjam ox�moros. Para n�o ir muito longe, poderia dizer que esta �poca � o princ�pio do fim ou o fim do princ�pio de "algo". "Algo", forma irrespons�vel de eludir um problema. Por�m j� se sabe que nossa especialidade n�o � a solu��o de problemas, e sim sua cria��o. "Sua cria��o?" N�o, � muito presun�oso, melhor seria dizer sua proposi��o. Sim, nossa especialidade � propor problemas. Tudo parece j� ter acontecido antes, como um velho filme que se repete com outras imagens, outros recursos cinematogr�ficos, incluindo atores diferentes, mas com o mesmo roteiro. Como se a modernidade (ou a "p�s-modernidade", deixo a precis�o para quem se d� ao trabalho) da globaliza��o se vestisse com seu ox�moro e nos presenteasse com uma modernidade arcaica, ran�osa e antiga. Se isto que digo lhes parece mera aprecia��o subjetiva, atribua ao fato de estarmos na montanha, resistindo e em rebeldia, mas conceda-nos o privil�gio da leitura e veja se trata-se de um sintoma a mais de "mal de montanha", ou voc� compartilha desta sensa��o de dej� vu que flui pelo hipercinema que � este mundo globalizado. O mundo n�o � quadrado, pelo menos isso � o que nos ensinam na escola. Por�m, no fio cortante da uni�o dos mil�nios, o mundo tamb�m n�o � redondo. Ignoro qual seja a figura geom�trica adequada para representar a forma atual do mundo, mas, haja visto que estamos na �poca da comunica��o digital audiovisual, poder�amos tentar defini-la como uma gigantesca tela. Voc� pode agregar "uma tela de televis�o", ainda que eu prefira "uma tela de cinema". N�o apenas por preferir o cinema, tamb�m (e acima de tudo) porque me parece que h� na nossa frente uma pel�cula, uma velha pel�cula, modernamente velha (para seguir com ox�moro). �, al�m disso, uma dessas telas onde se pode programar a apresenta��o simult�nea de v�rias imagens (picture in picture, a chamam). No caso do mundo globalizado, de imagens que se sucedem em qualquer rinc�o do planeta. Mas ali n�o est�o todas as imagens. E n�o por falta de espa�o na tela, mas porque "algu�m" selecionou estas imagens e n�o outras. Quer dizer, estamos vendo uma tela com diversos quadros que apresentam imagens simult�neas -- de diferentes partes do mundo, � certo --, mas nem todo o mundo est� ali. Ao chegar neste ponto, a gente se pergunta, inevitavelmente, "quem tem o controle remoto desta tela audiovisual? E quem faz a programa��o?" Boas perguntas, mas voc� n�o encontrar� aqui estas respostas. E n�o apenas porque n�o as temos de ci�ncia certa, mas tamb�m porque n�o s�o o tema deste texto. Posto que n�o podemos trocar de canal no cinema, vejamos alguns dos diferentes quadros que nos oferece a mega tela da globaliza��o. Vamos ao continente americano. L� voc� tem, num quadro, a imagem da Universidade Nacional Aut�noma do M�xico (UNAM) ocupada por um grupo paramilitar do governo: a chamada Pol�cia Federal Preventiva. N�o parece que estes homens de uniforme cinza estejam estudando. Mais adiante,demarcada pelas montanhas do sudeste mexicano, uma coluna de tanques blindados cinzas cruza uma comunidade ind�gena do Chiapas. Do outro lado, a imagem cinza apresenta um policial norte-americano que det�m, com uma viol�ncia requintada, um jovem em um lugar que pode ser Seatlle ou Washington. No quadro europeu proliferam tamb�m os cinzas. Na �ustria, � Joer Heider e seu fervor pr�-nazi. Na It�lia, com a ajuda desinteressada de D'Alema, Silvio Berlusconi arruma a gravata. No Estado Espanhol, Felipe Gonz�les maquia o rosto de Jos� Maria Aznar. Na Fran�a � Le Pen quem nos sorri. A �sia, �frica e Oceania apresentam a mesma cor, que se repete nos seus respectivos rinc�es. Humm... tantos cinza... Humm... n�s podemos protestar... depois de tudo, eles nos prometeram um programa multicor... Pelo menos, aumentemos o volume. Vamos tentar entender que isso �... II. - UM ESQUECIMENTO MEMOR�VEL Como a globaliza��o fragmentada, os intelectuais est�o a�, s�o uma realidade da sociedade moderna. E o "estar a�" deles n�o se limita � �poca atual, remonta aos primeiros passos da sociedade humana. Mas a arqueologia dos intelectuais escapa a nosso conhecimento e possibilidades, por isso partimos do fato de que "est�o a�" Em todo caso, o que nos propomos a descobrir � a sua forma de "estar a�". "Os intelectuais enquanto categoria s�o algo muito vago, j� se sabe. Diferente, por outro lado, � definir a "fun��o intelectual". A fun��o intelectual consiste em determinar criticamente o que se considera uma aproxima��o satisfat�ria do pr�prio conceito de verdade; e qualquer um pode desenvolv�-la, inclusive um marginal que reflita de alguma forma sobre sua pr�pria condi��o e de alguma maneira a expresse, enquanto um escritor pode tra�-la por reagir aos acontecimentos com paix�o, sem impor o crivo da reflex�o"2. Se � assim, ent�o o trabalho intelectual �, fundamentalmente, anal�tico e cr�tico. Frente a um fato social (para nos limitar a um universo), o intelectual analisa o evidente, o afirmativo e o negativo, buscando o amb�guo, o que n�o � nem uma coisa nem outra (embora assim se apresente) e mostra (comunica, desvenda, denuncia) n�o apenas o que n�o � evidente, mas inclusive o que se contradiz ao evidente. � de se supor que as sociedades humanas tenham pessoas que se dediquem profissionalmente a esta an�lise cr�tica e a comunicar seus resultados. Nas palavras de Norberto Bobbio: "Os intelectuais s�o todos aqueles para os quais transmitir mensagens � a ocupa��o habitual e consciente (...) e, falando de uma maneira que pode at� parecer brutal, quase sempre representa a maneira de ganhar o p�o de cada dia". Fiquemos com esta aproxima��o ao intelectual, ao profissional da an�lise cr�tica e da comunica��o. J� hav�amos sido advertidos de que o intelectual nem sempre exerce a fun��o intelectual. "A fun��o intelectual se exerce sempre com anteced�ncia (ao que pode acontecer) ou com atraso (sobre o que j� aconteceu); raramente sobre o que est� acontecendo, por raz�es de ritmo, porque os acontecimentos s�o sempre mais r�pidos e urgentes que a reflex�o sobre os acontecimentos"3. Por sua fun��o intelectual, este profissional da an�lise cr�tica e sua comunica��o seria uma esp�cie de consci�ncia inc�moda e impertinente da sociedade (nesta �poca da sociedade globalizada) em seu conjunto e de suas partes. Um inconformado com tudo, com as for�as pol�ticas e sociais, com o Estado, com o governo, com os meios de comunica��o, com a cultura, com as artes, com a religi�o e mais o que o leitor quiser agregar. Se o ator social diz "aqui est�", o intelectual murmura, c�tico: "falta", ou "sobra algo". Ter�amos ent�o que o intelectual em seu papel � um cr�tico da imobilidade, um promotor da mudan�a, um progressista. No entanto, este comunicador de id�ias cr�ticas est� inserido em uma sociedade polarizada, confrontada entre si mesma de muitas maneiras e com diferentes argumentos, mas dividida fundamentalmente entre os que usam o poder para que as coisas n�o mudem e os que lutam pela mudan�a. "O intelectual deve, por um elementar sentido de rid�culo, compreender que n�o lhe � outorgado um papel de bruxo do esp�rito em torno do qual vai girar o ser ou n�o ser hist�rico, mas evidentemente ele tem conhecimentos (...) que pode alinhar em um ou outro sentido hist�rico. Pode alinhar na busca da elucida��o das injusti�as presentes no mundo atual ou na cumplicidade com a paralisa��o e a instala��o do Limbo.4" E � aqui que o intelectual opta, elege, escolhe entre sua fun��o intelectual e a fun��o que lhe prop�em os atores sociais. Aparece assim a divis�o (e a luta) entre intelectuais progressistas e reacion�rios. Ambos seguem trabalhando com a comunica��o de an�lise cr�tica, mas enquanto os progressistas continuam na cr�tica da imobilidade, da perman�ncia, da hegemonia e do homog�neo; os reacion�rios desenvolvem a cr�tica � mudan�a, ao movimento, � rebeli�o, e � diversidade. O intelectual reacion�rio "esquece" sua fun��o intelectual, renuncia � reflex�o cr�tica e sua mem�ria opera de modo que n�o exista passado ou futuro. O presente e o imediato s�o o �nico tempo poss�vel e, por isso, inquestion�vel. Ao dizer "intelectuais progressistas e reacion�rios" nos referimos aos intelectuais "de esquerda e de direita". Aqui conv�m lembrar que o intelectual de esquerda exerce sua fun��o intelectual, ou seja, sua an�lise cr�tica tamb�m frente � esquerda (social, partid�ria, ideol�gica), mas na �poca atual sua cr�tica � fundamentalmente dirigida ao poder hegem�nico: o dos senhores do dinheiro e quem os representa no campo da pol�tica e das id�ias. Deixemos agora os intelectuais progressistas e de esquerda, e vamos aos intelectuais reacion�rios, a direita intelectual. III -- O PRAGMATISMO INTELECTUAL No princ�pio os gigantes intelectuais de direita foram progressistas. Falo dos grandes intelectuais de direita, os "think tanks" da rea��o, n�o dos an�es que foram ingressando aos seus clubes "pensantes". Octavio Paz, excelente poeta e ensa�sta, o maior intelectual de direita dos �ltimos anos no M�xico, declarou: "Venho do pensamento chamado de esquerda. Foi algo muito importante na minha forma��o. N�o sei agora...a �nica coisa que sei � que meu di�logo - �s vezes minha discuss�o - � com eles (os intelectuais de esquerda). N�o tenho muito para falar com os outros"5. Casos como o de Paz se repetem pela mega tela global. O intelectual progressista, enquanto comunicador de an�lise cr�tica, se converte em objeto e objetivo para o poder dominante. Objeto a comprar e objetivo a destruir. Enormes recursos s�o mobilizados para as duas coisas. O intelectual progressista "nasce" em meio a este ambiente de sedu��o persecut�ria. Alguns resistem e se defendem (quase sempre sozinhos, a solidariedade entre grupos n�o parece ser a caracter�stica do intelectual progressista), mas outros, talvez fatigados, vasculham sua bagagem de id�ias e tiram as que s�o ao mesmo tempo cr�tica e raz�o para legitimar o poder. O novo exige muito, o velho a� est�, sendo que basta usar o argumento de "inevit�vel" para que lhe ofere�am uma c�moda poltrona (�s vezes em forma de bolsa de estudos, posi��o, pr�mio, espa�o) por conta do Pr�ncipe antes t�o criticado. "O inevit�vel" tem nome hoje: globaliza��o fragmentada, pensamento �nico -- isto �, "a tradu��o em termos ideol�gicos e com pretens�o universal dos interesses de um conjunto de for�as econ�micas, em particular as do capital internacional6". Fim da hist�ria, onipresen�a e onipot�ncia do dinheiro, substitui��o da pol�tica pela pol�cia, o presente como �nico futuro poss�vel, racionaliza��o da desigualdade social, justifica��o da sobre-explora��o dos seres humanos e recursos naturais, racismo, intoler�ncia, guerra. Em uma �poca marcada por dois novos paradigmas, comunica��o e mercado, o intelectual de direita (e o ex-esquerda) entende que ser "moderno" significa seguir o slogan: adaptam-se ou percam vossos privilegiados lugares! N�o � necess�rio nem ser original, o intelectual de direita j� tem o canteiro de onde haver� de tirar as pedras que adornem a globaliza��o fragmentada: o pensamento �nico. A assepsia n�o importa muito, o pensamento �nico tem suas principais "fontes" no Banco Mundial, no Fundo Monet�rio Internacional, na Organiza��o para a Coopera��o e Desenvolvimento Econ�mico, na Organiza��o Mundial do Com�rcio, na Comiss�o Europ�ia, no Bundesbank, no Banco da Fran�a "que, mediante seu financiamento, alinham a servi�o de seus ideais, em todo o planeta, numerosos centros de investiga��o, universidades e funda��es, os quais, por sua vez,anunciam e difundem a boa nova"7. Com tal abund�ncia de recursos, � f�cil que flores�am elites que h� muitos anos, empenham-se a fundo em fazer o elogio ao "pensamento �nico"; que exercem uma verdadeira chantagem contra toda reflex�o cr�tica em nome da "moderniza��o", do "realismo", da "responsabilidade" e da "raz�o"; que afirmam o "car�ter inevit�vel" da atual evolu��o das coisas; que prop�em a capitula��o intelectual, que condenam � escurid�o irracional todos aqueles que se negam as aceitar que "o estado natural da sociedade � o mercado"8. Longe da reflex�o, do pensamento cr�tico, os intelectuais de direita tornam-se pragm�ticos por excel�ncia, exilados da fun��o intelectual e transformados em ecos, mais ou menos estilizados, dos spots publicit�rios que inundam o mega mercado da globaliza��o fragmentada. Refuncionalizados na globaliza��o fragmentada, os intelectuais de direita modificam seu ser e adquirem novas "virtudes" (entre elas reaparece o ox�moro): uma audaz covardia e uma profunda banalidade. Ambas brilham em suas "an�lises" do presente globalizado e suas contradi��es, suas revis�es do passado hist�rico, suas clarivid�ncias. Podem dar-se ao luxo da audaz covardia e da profunda banalidade, j� que a hegemonia universal quase absoluta do dinheiro os protege com torres de vidro blindado. Por isso, a direita intelectual � particularmente sect�ria e tem, al�m disso, o respaldo de n�o poucos meios de comunica��o e governos. Ingressar nessas altas torres intelectuais n�o � f�cil, � preciso renunciar � imagina��o cr�tica e autocr�tica, � intelig�ncia, � argumenta��o, � reflex�o, e optar pela nova teologia: a teologia liberal. Posto que a globaliza��o vende-se como o melhor dos mundos poss�veis, mas carece de exemplos concretos de vantagens para a humanidade, � preciso recorrer � tecnologia e substituir com dogmas e f� neoliberal a falta de argumentos. O papel do te�logo neoliberal inclui denunciar e perseguir os "hereges", os "mensageiros do mal", ou seja, os intelectuais de esquerda. E que melhor forma de combater os cr�ticos que acus�-los de "messianismo"? Frente ao intelectual de esquerda, o de direita imp�e o r�tulo lapidar de "messianismo tresloucado". Quem pode questionar um presente pleno de liberdades, onde qualquer um pode decidir o que comprar, sejam artigos de primeira necessidade, ideologias, propostas pol�ticas e comportamentos para qualquer ocasi�o? Mas o paradoxo n�o perdoa. Se em algum lado h� messianismo, � na direita intelectual. "O Grande Circo de Intelectuais Neoliberais Quimicamente Puros ou Ex Marxistas Arrependidos ou a Trilateral pode ser messi�nico quando pressagia a fatalidade de um universo baseado em uma verdade �nica, o mercado �nico e o ex�rcito -- gendarme �nico vigiando o brilho do flash que registra a foto final da Hist�ria, disparado ante as melhores paisagens das melhores sociedades abertas.9" A foto final. O cen�rio culminante do filme da globaliza��o. IV- OS CLARIVIDENTES CEGOS Parafraseando R�gis Debray , o problema aqui n�o � por que ou como a globaliza��o � irremedi�vel, mas sim por que ou com todo o mundo, ou quase, acredita que ela seja irremedi�vel. Uma resposta poss�vel: "A tecnologia do fazer-crer (...) O poder da informa��o.. .Inf-formar:dar forma, formatar. Con-formar: dar conformidade. Trans-formar: modificar uma situa��o"10. Com a globaliza��o da economia, globaliza-se tamb�m a cultura. E a informa��o. Normal, portanto, que as grandes empresas de comunica��o "estendam" sobre o mundo inteiro sua rede eletr�nica sem que nada nem ningu�m as impe�a. "Nem Ted Turner, da CNN; nem Rupert Murdoch, da News Corporation Limited; nem Bill Gates, da Microsoft; nem Jeffrey Vinik, da Fidelity Investments; nem Larry Rong, do China Trust and International Investment; nem Robert Allen, de ATT; assim como George Soros ou dezenas de outros novos amos do mundo, submeteram jamais seus projetos ao sufr�gio universal11" Na globaliza��o fragmentada, as sociedades s�o fundamentalmente sociedades midi�ticas. As m�dias s�o o grande espelho, n�o do que uma sociedade �, mas do que deve aparentar. Plena de tautologias e evid�ncias, a sociedade midi�tica � avara em raz�es e argumentos. Aqui, repetir � demonstrar. E o que se repete s�o as imagens, como estes cinzas que nos mostra agora a grande tela globalizada. Debray nos disse: A equa��o da era visual � algo assim como: o vis�vel = o real = o verdadeiro. Eis aqui a idolatria revisitada (e sem d�vida redefinida)"12. Os intelectuais de direita t�m aprendido bem sua li��o. Mais, � um dos dogmas de sua teologia. Onde se deu o salto que iguala o vis�vel ao verdadeiro? Truques da tela globalizada. O mundo inteiro, melhor ainda, o conhecimento inteiro est� � m�o de qualquer um com uma televis�o ou um computador port�til. Sim, mas n�o qualquer mundo e n�o qualquer conhecimento. Debray explica que o centro de gravidade das informa��es foi deslocado do escrito para o audiovisual, do signo para a imagem. As vantagens para os intelectuais de direita (e as desvantagens para os progressistas) s�o �bvias. Analisando o comportamento da informa��o na Fran�a durante a guerra do Golfo P�rsico, se revela o poder das m�dias: no come�o do conflito, 70% dos franceses mostravam-se hostis � guerra; no final, a mesma porcentagem aprovava-a. Sob o bombardeio das m�dias, a opini�o p�blica francesa "mudou" e o governo obteve as vantagens por sua participa��o b�lica. Estamos na "era visual". Assim, as informa��es apresentam-se na evid�ncia de sua imediatez, portanto � real o que nos � mostrado, portanto � verdadeiro o que vemos. N�o h� lugar para a reflex�o intelectual cr�tica, no m�ximo h� espa�o para comentaristas que "completem" a leitura da imagem. O visual desta era n�o foi feito para ser visto, mas para oferecer "conhecimento". O mundo tornou-se uma mera representa��o multim�dia, que omite o mundo exterior, capaz de ser conhecida na mesma medida em que � vista. Sim, ind�cios do terceiro mil�nio, s�culo XXI, e a filosofia flutuante em nosso mundo "moderno" � o idealismo absoluto. J� se pode tirar algumas conclus�es: o novo intelectual de direita tem que desempenhar sua fun��o legitimadora na era visual; optar pelo direto e imediato; passar do signo � imagem e da reflex�o ao coment�rio televisivo. Nem ao menos tem que se esfor�ar para legitimar um sistema totalit�rio, brutal, genocida, racista, intolerante e excludente. O mundo que � objeto de sua "fun��o intelectual" � o apresentado pelos meios de comunica��o: uma representa��o virtual. Se no hipermercado da globaliza��o o Estado-Nacional se redefine como uma empresa, mais, os governantes como gerentes de vendas e os ex�rcitos e pol�cias em ag�ncias de vigil�ncia, ent�o a direita intelectual faz o papel de rela��es p�blicas. Em outras palavras, na globaliza��o, os intelectuais de direita s�o "multiuso", coveiros da an�lise cr�tica e da reflex�o, ilusionistas nas rodas de moinho da teologia neoliberal, "pontos" de governos que esqueceram o "script", comentaristas do evidente, instigadores de soldados e pol�cias, juizes gn�sticos que separam em r�tulos de "verdadeiro" e "falso" o que lhes conv�m. Guarda-costas te�ricos do Pr�ncipe, e anunciadores da "nova hist�ria". V- O FUTURO PASSADO "Queimar livros e erguer fortifica��es � tarefa comum dos pr�ncipes", disse Jorge Luis Borges. E acrescenta que todo o pr�ncipe quer que a hist�ria comece a partir dele. Na era da globaliza��o fragmentada n�o se queimam livros (embora ergam-se fortifica��es), eles apenas s�o substitu�dos. Mesmo desta maneira, mais que suprimir a hist�ria, o pr�ncipe neoliberal instrui seus intelectuais para que a refa�am de maneira que o presente seja o fim dos tempos. "Os Maquiadores da Hist�ria", assim Luis Hern�ndez Navarro intitulou um artigo dedicado ao debate com os intelectuais de direita no M�xico13. Al�m de provocar o presente texto (escrito com a inten��o de dar seguimento �s suas posi��es), Hern�ndez Navarro adverte sobre uma nova ofensiva: a nova direita intelectual dirige suas baterias contra figuras representativas da intelectualidade progressista mexicana."Rentista tardia da tranq�ilidade planet�ria do "pensamento �nico", renegada de sua identidade, herdeira de papel passado da queda do muro de Berlim, s�cia e emuladora do circuito cultural conservador norte-americano, esta direita est� convencida de que a cr�tica cultural outorga credenciais suficientes para emitir, sem argumenta��o, ju�zos sum�rios a seus advers�rios no terreno pol�tico". As raz�es n�o-ideol�gicas deste ataque devem ser buscadas na disputa pelo espa�o de credibilidade. No M�xico os intelectuais de esquerda t�m grande influ�ncia na cultura e na universidade. Estorvam, esse � o seu delito. Ou melhor, este � um de seus delitos. Outro � o apoio destes intelectuais progressistas � luta zapatista por uma paz justa e digna, pelo reconhecimento dos direitos dos povos ind�genas e pelo fim da guerra contra os �ndios do pa�s. Este pecado n�o � menor. "O levante zapatista inaugura uma nova etapa, a do come�o dos movimentos ind�genas como atores da oposi��o � globaliza��o neoliberal"14. N�o somos os melhores nem os �nicos : a� est�o os ind�genas do Equador e do Chile, os protestos em Seattle e Washington (e os que se sigam em ordem cronol�gica, n�o em import�ncia) Mas somos uma das imagens que distorcem a mega tela da globaliza��o fragmentada e, como fen�meno social e hist�rico, demandamos reflex�o e an�lise cr�tica. E a reflex�o e a an�lise cr�tica n�o est�o no "arsenal" da direita intelectual. Como cantar as gl�rias da nova ordem mundial (e sua imposi��o no M�xico) se um grupo de ind�genas "pr�-modernos" n�o apenas desafia o poder, mas tamb�m conquista a simpatia de uma importante faixa dos intelectuais ? Em conseq��ncia, o Pr�ncipe ditou suas ordens: "ataquem uns e outros, eu entro com o ex�rcito e os meios de comunica��o, voc�s, com as id�ias". Assim a nova direita intelectual dedicou zombarias e cal�nias a seus pares da esquerda. Aos ind�genas rebeldes zapatistas, nos dedicou...uma nova hist�ria. E, enquanto o zapatismo teve impacto internacional, a direita intelectual, em v�rias partes do mundo (n�o apenas no M�xico), dedicou-se a esta tarefa. Os intelectuais de direita n�o apenas maquiam a hist�ria, refazem-na, reescrevem-na � conveni�ncia do Pr�ncipe e � maneira de sua fun��o intelectual. Mas voltemos ao M�xico. "Ao longo deste s�culo, os intelectuais no M�xico t�m desempenhado fun��es diversas: cortes�os de luxo do poder de turno, decora��o do Estado, vozes dissidentes (que, para institucionalizar-se, s�o chamadas Consci�ncias Cr�ticas), int�rpretes privilegiados da hist�ria e da sociedade, espet�culos em si mesmos"15. O �ltimo grande intelectual de direita no M�xico, Octavio Paz, cumpriu cabalmente o trabalho encomendado pelo Pr�ncipe. N�o economizou palavras para desprestigiar os zapatistas e quem mostrasse simpatia por sua causa (aten��o: n�o por sua forma de luta). Uma das melhores mostras de Paz a servi�o do Pr�ncipe est� em seus textos e declara��es do in�cio de 1994. Ali, Octavio Paz definia n�o o EZLN, mas sim os argumentos sobre os quais seus soldados intelectuais deveriam se aprofundar: mao�smo, messianismo, fundamentalismo, e alguns outros "ismos" mais que agora escapam � mem�ria. Frente aos intelectuais progressistas, Paz n�o economizou acusa��es: eles eram respons�veis pelo "clima de viol�ncia" que marcou o ano de 1994 (e todos os anos do M�xico moderno, mas a direita intelectual nunca brilhou por sua mem�ria hist�rica). Concretamente, pelo assassinato do candidato oficial � presid�ncia da Republica, Colosio. Anos depois, antes de morrer, Paz retificaria e assinalaria que o sistema estava em crise e que, mesmo sem o levante zapatista, estes fatos ocorreriam de qualquer forma16. Nenhum dos atuais herdeiros de Paz t�m sua estatura, mesmo que n�o lhes falte ambi��o para ocupar seu lugar. N�o como intelectuais, pois lhes falta intelig�ncia e brilho, mas pelo lugar privilegiado que ocupou ao lado do Pr�ncipe. Ainda assim, fazem sua luta. E seguem empenhados em criar, para o zapatismo, uma hist�ria que lhes seja c�moda -- n�o apenas para atac�-lo, mas sim, sobretudo, para evitar a an�lise cr�tica e a reflex�o s�ria e respons�vel. Mas n�o apenas a hist�ria do zapatismo e dos povos �ndios os intelectuais de direita reescrevem. A hist�ria inteira do M�xico est� sendo refeita para demonstrar que estamos, agora, no melhor dos M�xicos poss�veis. � dessa maneira que os an�es da direita intelectual revisam o passado e nos vendem uma nova imagem de Porf�rio D�az, de Santa Ana, de Calleja, de C�rdenas. E esta �nsia de reescrever a hist�ria n�o � exclusiva do M�xico. Na tela da globaliza��o, j� nos � oferecida uma nova vers�o, onde o Holocausto nazi contra os judeus foi uma esp�cie de Disneyl�ndia seletiva, Adolf Hitler � uma esp�cie de alegre Mickey Mouse ariano e, mais recentemente, as guerras do Golfo P�rsico e de Kosovo foram "humanit�rias". No futuro passado que nos prepara a direita intelectual, a globaliza��o � o deus ex machina que trabalha sobre o mundo para preparar seu pr�prio advento. Mas, essas imagens cinzas que nos mostra agora a mega tela da globaliza��o, que futuro anunciam? VI- O LIBERAL FASCISTA Eu digo que este filme j� foi visto antes, e se n�o nos lembramos � porque a hist�ria n�o � um artigo atrativo no mercado globalizado. Esses cinzas podem significar algo: a reapari��o do fascismo. Paran�ia? Umberto Eco, em um texto chamado "O fascismo eterno", de obra j� citada, d� algumas chaves para entender que o fascismo segue latente na sociedade moderna e que, ainda que pouco prov�vel que se repitam os campos de exterm�nio nazistas, alguns lugares do planeta assistem ao que se chama "Ur Fascismo". Depois de advertir que o fascismo era um totalitarismo fuzzy, ou seja, disperso, difuso em todo o social, prop�e algumas de suas caracter�sticas: rejei��o ao avan�o do saber, irracionalismo, a cultura � suspeita de fomentar atitudes cr�ticas, o que n�o est� de acordo com o hegem�nico � uma trai��o, medo da diferen�a e racismo, surge da frustra��o individual ou social, xenofobia, os inimigos s�o, ao mesmo tempo, fortes demais e fracos demais, a vida � uma guerra permanente, elitismo aristocr�tico, sacrif�cio individual para o benef�cio da causa, machismo, populismo qualitativo difundido pela televis�o, "neolinguagem" (de l�xicos pobres e sintaxe elementar). Todas estas caracter�sticas podem ser encontradas nos valores que defendem e difundem as m�dias e os intelectuais de direita na era visual, na era da globaliza��o fragmentada. "Ser� que hoje, assim como ontem, n�o se est� usando o cansa�o democr�tico, a n�usea diante do nada, o desconcerto perante a desordem como aval para uma nova situa��o hist�rica de exce��o que requer um novo autoritarismo persuasivo, unificador da cidadania em clientes e consumidores de um sistema, um mercado, uma repress�o centralizada?", pergunta Manuel V�zquez Montalb�n na obra j� citada. Olhe voc� para a mega tela, todos estes cinzas s�o a resposta � desordem. � o que � necess�rio para enfrentar quem se nega a desfrutar o mundo virtual da globaliza��o e resiste. E, no entanto, parece que o n�mero de descontentes cresce. Um dos an�es mexicanos que aspiram a ocupar a cadeira deixada por Octavio Paz constatava, terrificado, que em pesquisa feita no M�xico em 1994, pelo Instituto de Investiga��es Sociais da UNAM, 29% dos entrevistados dizia que as leis n�o devem ser obedecidas se injustas. Em novembro de 1999, para 49% das pessoas pesquisadas na revista "Educaci�n 2001", a resposta � pergunta "pode o povo desobedecer as leis se elas parecem injustas?" era sim. Depois de reconhecer que � preciso resolver problemas de crescimento econ�mico, educa��o, emprego e sa�de, assinalava o autor: "Todas estes coisas s� podem ser alcan�adas se a sociedade est� segura num piso mais b�sico, que � o da seguran�a p�blica e do cumprimento da lei. Este piso est� cheio de buracos no M�xico, e tende a piorar"17. O racioc�nio � sintom�tico: na falta de legitimidade e consenso, pol�cia! O clamor da direita intelectual por "ordem e legalidade" n�o � exclusividade do M�xico. Na Fran�a, o fascista Le Pen est� disposto a responder ao chamado. Na �ustria, o neonazista Heider j� est� pronto, assim como o franquista Aznar no Estado Espanhol. Na It�lia, Berlusconi (ali�s, o "Duce Multimedia") e Gianfranco Fini se aprontam para o momento. A Europa comparece novamente ao balc�o do fascismo? Soa duro...e distante. Mas a� est�o as imagens da mega tela. Estes skinheads que mostram seus porretes na esquina: est�o na Alemanha, na Inglaterra, na Holanda? "S�o minorit�rios e est�o sob controle", nos tranq�iliza o �udio da mega tela. Mas parece que o fascismo renovado nem sempre tem a cabe�a raspada e o corpo tatuado com su�sticas. Mesmo assim n�o deixa de ser uma direita sinistra. Se digo "direita sinistra" pode parecer que jogo com as palavras e recorro novamente a ox�moro, mas quero chamar aten��o sobre algo. Depois da queda do murro de Berlim, o espectro pol�tico europeu, na sua maioria correu atropeladamente ao centro. Isso � evidente na esquerda tradicional europ�ia, mas tamb�m nos partidos de direita18. Com uma m�scara moderna, a direita fascista come�a a conquistar espa�o que j� ultrapassa muito as notas policiais na m�dia. Isso s� � poss�vel porque est�o se esfor�ando para construir uma nova imagem, distante do passado violento e autorit�rio . Tamb�m por estarem apropriando-se da teologia neoliberal com uma facilidade espantosa (por algo ser�), e porque em suas campanhas eleitorais est�o insistindo muito em temas de seguran�a p�blica e emprego (alertando contra a "amea�a" dos imigrantes). Alguma diferen�a das propostas da social democracia ou da esquerda tradicional? O fascismo espreita por tr�s da "terceira via" europ�ia, e tamb�m da esquerda que n�o se define (em teoria e pr�tica) contra o neoliberalismo. �s vezes, a direita pode vestir-se com os trapos da esquerda. No M�xico, no recente debate televisivo entre os seis candidatos � presid�ncia da Rep�blica, o candidato que obteve consenso da direita intelectual foi Gilberto Rinc�n Gallardo, do Partido Democrata Social, aparentemente de esquerda. Por acaso a televis�o n�o mostrou que alguns dos militantes e candidatos do PDS em Chiapas s�o l�deres de v�rios grupos paramilitares, respons�veis, entre outras coisas, pelo massacre de Acteal. Que a direita fascista e a nova direita intelectual estejam prontas para mostrar suas habilidades aos senhores do dinheiro n�o surpreende. O desconcertante � que, algumas vezes, s�o a social-democracia ou a esquerda institucional quem lhes prepara o caminho. Se no Estado Espanhol, Felipe Gonz�lez (este pol�tico t�o aplaudido pela direita intelectual) trabalhou para a vit�ria do direitista Partido Popular de Jos� Mar�a Aznar, na It�lia, o caminho pelo qual a direita se dirige ao poder chama-se Massimo D�Alema. Antes de renunciar, D�Alema fez todo o necess�rio para que a esquerda naufragasse. "D�Alema e os seus financiaram com o dinheiro de todos a educa��o religiosa e prepararam a privatiza��o da (educa��o) p�blica, participaram plenamente da aventura da OTAN contra a Iugosl�via e da ocupa��o virtual da Alb�nia, privatizaram o que puderam, atentaram contra os aposentados, reprimiram os imigrantes, submeteram-se a Washington, reabilitaram os corruptos e at� mesmo a Bettino Craxi, em cuja resid�ncia no ex�lio, como fugitivo da justi�a, desfilaram para pedir-lhe ajuda, redigiram uma lei sobre os carabineros ditada pelo comando golpista dos mesmos...19" Resultado? Boa parte do eleitorado de esquerda se absteve de votar. Na complicada geometria pol�tica europ�ia, a chamada "terceira via" n�o apenas tem resultado letal para a esquerda, mas tamb�m tem sido o ponto de partida do neofascismo. Talvez esteja exagerando, mas "a mem�ria � uma faculdade estranha. Quanto mais intenso e isolado � o est�mulo que a mem�ria recebe, mais lembra-se; quanto mais amplo, menos intensa � a lembran�a20", e eu suspeito que esta avalanche de imagens cinzas na tela � para que lembremos com menos intensidade, com pregui�a, desejando esquecer. E se os livros n�o mentem (ver Umberto Eco, em obra citada), foi o fascismo italiano que chamou muitos l�deres liberais europeus porque consideravam que estavam levando a cabo interessantes reformas sociais, e poderiam ser uma alternativa � "amea�a comunista". Em agosto de 1997, Fausto Bertinotti, (secretario do Partido de Refunda��o Comunista italiano), escreveu em uma carta ao EZLN: "Est� aberta, na Europa, uma verdadeira crise de civiliza��o. Poder�amos, infelizmente, narrar centenas, milhares de epis�dios de barb�rie cotidiana, de viol�ncia gratuita, de agress�o a pessoas, ao corpo, de tr�fico de pessoas, de corpos, de �rg�os, sem nenhum sentido. E acima de tudo, com uma grossa capa de indiferen�a, como se a vida tivesse perdido o sentido. Poderia contar coisas que acontecem na periferia urbana, realidade e met�fora da trag�dia humana em que se transformou este novo ciclo de desenvolvimento capitalista". Diante desta vida sem sentido, o liberal fascista oferece sua cara am�vel e argumenta, ressaltando suas bondades, em favor do recurso � viol�ncia legalizada, institucional. O horizonte anuncia a tempestade, e a direita intelectual trata de nos tranq�ilizar dizendo que n�o � mais que uma chuva, sem import�ncia. Tudo para garantir o p�o, o sal...e seu lugar junto ao Pr�ncipe. Protegei-o! N�o importa que sua camisa seja cinza e em seu aconchegante seio se cultive o ovo da serpente. "O ovo da serpente". Sim, se n�o me engano, � o t�tulo de um filme de Bergman que descreve o ambiente em que se gestou o fascismo. E o que fazer? Continuarmos sentados at� que termine o filme? Sim? N�o? Um momento! Muitos j� levantaram de seus lugares e fazem alvoro�o! O burburinho aumenta! Alguns atiram objetos na tela e vaiam! Em vez de dirigir-se � tela, v�o para cima! Como se quisessem encontrar o projetor do filme! E parece que o encontraram pois apontam insistentemente para um lugar l� no alto! Quem s�o essas pessoas e com que direito interrompem a proje��o? Uma delas levanta uma faixa que diz: "Tomemos ent�o, n�s, cidad�os comuns, a palavra e a iniciativa. Com a mesma veem�ncia e a mesma for�a com que reivindicamos nossos direitos, reivindiquemos tamb�m o dever de nossos deveres.21" O dever de nossos deveres? Que algu�m explique porque n�o entendemos nada! Sil�ncio! Algu�m toma a palavra... VII- A C�TICA ESPERAN�A Os intelectuais progressistas. Os de esperan�a c�tica. O soci�logo franc�s Alain Touraine prop�e uma classifica��o deles22: o mais cl�ssico � o intelectual que denuncia, onde toda a aten��o concentra-se sobre a cr�tica ao sistema dominante; o segundo tipo identifica-se com tal luta ou tal for�a de oposi��o e torna-se seu intelectual org�nico; o terceiro cr� na exist�ncia, na consci�ncia e na efic�cia dos atores, ao mesmo tempo em que conhece seus limites; o quarto s�o os ut�picos: identificam-se com as novas tend�ncias culturais, da sociedade ou da exist�ncia pessoal. Todos eles (e elas, pois ser intelectual n�o � privil�gio masculino) empenham seus esfor�os em entender, criticamente, a sociedade, sua hist�ria e seu presente, e tratam de desentranhar a inc�gnita de seu futuro. N�o � nada f�cil a vida dos pensadores progressistas.Em sua fun��o intelectual d�o-se conta de como v�o as coisas e, noblesse oblige, devem revel�-lo, exibi-lo, denunci�-lo, comunic�-lo. Mas para faz�-lo, precisam enfrentar a teologia neoliberal da direita intelectual, e por tr�s dela est�o a m�dia, os bancos, as grandes corpora��es, os Estados (ou o que resta deles), os governos, os ex�rcitos, as for�as policiais. E devem faz�-lo, al�m disso, na era visual. Aqui est�o em franca desvantagem, pois � preciso levar em conta as grandes dificuldades em que implica enfrentar o poder da imagem unicamente com o recuso da palavra. Mas seu ceticismo frente �s apar�ncias j� lhes permitiu descobrir a trama. E com o mesmo ceticismo estruturam suas an�lises cr�ticas para desestruturar conceitualmente a m�quina das belezas virtuais e as mis�rias reais. H� esperan�a? Fazer da palavra um bisturi e megafone � um desafio descomunal. E n�o apenas porque nesta �poca o reino � o da imagem. Tamb�m porque o despotismo da era visual confinou a palavra nos bord�is e nas barracas de truques e trampas. "Ainda assim, s� podemos confessar nossa confus�o e nossa impot�ncia, nossa ira e nossas opini�es, com palavras. Com palavras, nomeamos ainda nossas perdas e nossas resist�ncias porque n�o temos outro recurso, porque os homens est�o inevitavelmente abertos � palavra e porque pouco a pouco s�o elas que moldam nosso julgamento. Nosso julgamento, temido ami�de pelos detentores do poder, molda-se lentamente, como o leito de um rio, por meio de correntes de palavras. Mas as palavras s� formam correntes quando elas s�o profundamente cr�veis"23. Credibilidade. Algo de que carece a direita intelectual e que, afortunadamente, sobra entre os intelectuais progressistas. Suas palavras produziram, e produzem em muitos, primeiro a surpresa; depois a inquietude. Para essa inquietude n�o seja abatida pelo conformismo que a era visual prescreve, fazem falta mais coisas que escapam do �mbito do trabalho intelectual. Mas mesmo quando a palavra j� se transformou em corrente, a fun��o intelectual n�o termina. Os movimentos sociais de protesto diante do poder (neste caso, a globaliza��o e o neoliberalismo) devem ainda atravessar um longo caminho, n�o s� para conseguir seus objetivos, mas at� para se consolidar como alternativa de organiza��o para muitos. Enfim, � preciso reconhecer a responsabilidade particular dos intelectuais. Depende da a��o deles, mais do que qualquer outra categoria, saber se o protesto se esgotar� em den�ncia sem perspectiva ou, ao contr�rio, levar� � forma��o de novos atores sociais e, indiretamente, a novas pol�ticas econ�micas e sociais24. O intelectual progressista se debate continuamente entre Narciso e Prometeu. �s vezes, a imagem no espelho o engana e come�a seu inexor�vel caminho de transmuta��o num empregado a mais do mega mercado neoliberal. Mas �s vezes ele quebra o espelho e descobre n�o apenas a realidade que est� por tr�s do reflexo, mas tamb�m outros que n�o s�o como ele mas que, como ele, est�o quebrando seus respectivos espelhos. A transforma��o de uma realidade n�o � tarefa de apenas um ator, por mais forte, inteligente, criativo e vision�rio que possa ser. Sozinhos, nem os atores pol�ticos e sociais, nem os intelectuais podem levar a um bom termo essa transforma��o. � um trabalho coletivo. E envolve n�o apenas a��o, mas tamb�m an�lises da realidade e decis�es sobre os rumos e �nfases do movimento de transforma��o. Contam que Michelangelo Buonarroti realizou seu "David" com s�rias limita��es materiais."O peda�o de m�rmore sobre o qual esculpiu j� havia sido trabalhado por outra pessoa, j� tinha perfura��es. O talento do escultor consistiu em fazer uma figura que se ajustasse a estes limites intranspon�veis e t�o restritos, da� a postura, a inclina��o da pe�a final"25. Da mesma maneira, o mundo que queremos transformar j� foi trabalhado antes pela hist�ria e tem muitas perfura��es. Devemos encontrar o talento necess�rio para, a partir destes limites, transform�-lo e fazer uma figura simples e sincera: um mundo novo. Sa�de, e n�o esque�am que a id�ia � tamb�m um form�o. Das montanhas do sudeste mexicano. Subcomandante Insurgente Marcos M�xico, abril de 2000. PS: Algu�m tem um martelo � m�o? (Tradu��o: Wilson Sobrinho) 1 Jorge Berger. Cada vez que decimos adi�s. Ediciones de la flor. Argentina, 1977. P�gs. 278-279 2 Umberto Eco. Cinco escritos morales. Ed. Lumen. Tradu��o Helena Lozano Miralles. p. 14-15) 3 Umberto Eco. Op. Cit. P. 29. 4 Manuel V�zquez Montalb�n. Panfleto desde el planeta de los simios. Ed. Drakontos. Barcelona 1995. p. 48 5 Braulio Peralta El poeta en su tierra. Di�logos con Octavio Paz. Ed. Grijalbo. 6 Ignacio Ramonet. Un mundo sin rumbo. Crisis de fin de siglo. Editorial Debate. Madrid. 7 Ignacio Ramonet. Op. Cit. P. 111. 8 Ibid. P. 114. 9 Manuel V�zquez Montalb�n. Op. Cit. p. 47. 10 Regis Debray. Croire, Voir, Faire. Ed. Odile Jacob. Par�s 1999. P. 193. 11 Ignacio Ramonet. Op. Cit. p. 109. 12 R�gis Debray. Op. Cit. P. 200. 13 "Ojarasca", en La Jornada, 10 abril de 2000 14 Ivon Le Bot. "Los ind�genas contra el neoliberalismo", en La Jornada, 6 mar�o 2000 15 Carlos Monsiv�is. "Intelectuales Mexicanos de fin de siglo" Viento del Sur 8. 1996. P. 43. 16 Braulio Peralta. Op. Cit. 17 H�ctor Aguilar Cam�n. "Leyes y Cr�menes". En "Esquina". Proceso 1225, 23 de abril de 2000. 18 Ver Emiliano Fruta, "La nueva derecha europea", y Hern�n R. Moheno, "M�s all� de la vieja izquierda y la nueva derecha.", em Urbi et Orbi. ITAM. Abril 2000) 19 Guillermo Almeyra. "La izquierda de la derecha" En La Jornada. 23 de abril de 2000 20 John Berger. Op. Cit. P.234. 21 Jos� Saramago. Discursos de Estocolmo. Ed. Alfaguara. 22 Comment sortir du lib�ralisme? Ed. Fayard. Par�s, 1999. 23 John Berger. Op. Cit. P. 255. 24 Alain Touraine. Op. Cit. P. 15. 25 Pablo Fern�ndez Christlieb. La afectividad colectiva. Ed. Taurus. P. 164-165. h.d.mabuse ---------------------------------------------------- "Pare de fazer sentido!" ---------------------------------------------------- http://www.cesar.org.br http://www.palindromo.org.br http://www.carapuceiro.com.br http://www.manguebit.org.br http://www.manguetronic.com.br mailto:[email protected] mailto:[email protected] UIN: 2665584 +51 -81 9111.9902 +51 -81 3271.4925 ramal:3793 _______________________________________________ nettime-lat mailing list [email protected] http://www.nettime.org/cgi-bin/mailman/listinfo/nettime-lat