h.d.mabuse on 1 Nov 2000 17:34:39 -0000


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Re: [nettime-lat] nettime-lat es una burla


Pra colocar um pouco de pensamiento de esquerda na lista :)

� um texto longo, mas vale a pena ser lido! Inclusive para discurtir os 
pap�is de todos n�s nesse mund�o a fora, do Sbcomandante Marcos para a 
Nettime-lat:

Nosso pr�ximo programa: Ox�moro!
===============================

Num mundo em que a barb�rie tornou-se quotidiana,
� preciso reconhecer a responsabilidade dos intelectuais que resistem.
Depende da a��o deles saber se o protesto se esgotar� em den�ncia
sem perspectiva ou, ao contr�rio, levar� � forma��o de novos atores
sociais e, indiretamente, a novas pol�ticas econ�micas e sociais
-------------------------------------------
Subcomandante Marcos



"Para a figura denominada ox�moro, aplica-se a uma
  palavra um ep�teto que parece contradiz�-la;
  assim os gn�sticos falar�o de uma luz escura;
os alquimistas, de um sol negro."".
-------------------------------------------
Jorge Luis Borges


ADVERT�NCIA, INTRODU��O E PROMESSA

Aten��o: se voc� n�o leu a ep�grafe, � bom que o fa�a agora, porque pode 
n�o entender algumas coisas. Um fato irrefut�vel: a globaliza��o est� aqui. 
N�o a qualifico ainda, simplesmente assinalo uma realidade. Por�m, posto 
que ox�moro, � preciso assinalar que se trata de uma globaliza��o fragmentada.

A globaliza��o foi poss�vel, entre outras coisas, por duas revolu��es: a 
tecnol�gica e a da inform�tica. Foi e ser� dirigida pelo poder financeiro. 
Juntas, a tecnologia e a inform�tica (e com elas o capital financeiro) 
diminu�ram dist�ncias e romperam fronteiras. Hoje � poss�vel ter 
informa��es sobre qualquer parte do mundo, a qualquer momento e de forma 
simult�nea. Mas tamb�m o dinheiro tem agora o dom da ubiq�idade, move-se de 
maneira vertiginosa, como se estivesse em todas as partes ao mesmo tempo. E 
mais, o dinheiro d� uma nova forma ao mundo, a forma de um mercado, de um 
mega-mercado.

No entanto, apesar da globaliza��o do planeta, ou melhor, precisamente por 
ela, a homogeneidade est� longe de ser a caracter�stica desta troca de 
s�culo e mil�nio. O mundo � um arquip�lago, um quebra-cabe�as cujas pe�as 
se tornam outros quebra-cabe�as e a �nica coisa realmente globalizada � a 
prolifera��o do heterog�neo.

Se a tecnologia e a inform�tica est�o unindo o mundo, o poder financeiro 
utiliza-as como armas, como armas em uma guerra. Antes hav�amos dito (o 
texto se chama "Sete pe�as soltas no quebra-cabe�as mundial", EZLN, 1997) 
que na globaliza��o trava-se uma guerra mundial, a quarta, e que se 
desenvolve um processo de destrui��o/despovoamento e 
reconstru��o/reordenamento (estou tentando resumir apressadamente, sejam 
benevolentes) em todo o planeta. Para a constru��o da nova ordem mundial 
(planet�ria, permanente, imediata e imaterial, segundo Ignacio Ramonet), o 
poder financeiro conquista territ�rios e derruba fronteiras, e o consegue 
fazendo a guerra, uma nova guerra. Uma das baixas desta guerra � o mercado 
nacional, base fundamental do Estado-Nacional. Este �ltimo est� em vias de 
extin��o, ou ao menos o Estado-Nacional tradicional. Em seu lugar surgem 
mercados integrados ou, melhor, lojas de departamentos do grande shopping 
mundial, o mercado globalizado.

As conseq��ncias pol�ticas e sociais desta globaliza��o constituem um 
ox�moro reiterado e completo: menos pessoas com mais riquezas, produzidas 
com a explora��o de mais pessoas com menos riquezas, "a pobreza do nosso 
s�culo n�o � compar�vel a nenhuma outra. N�o �, como j� foi alguma vez, o 
resultado natural da escassez, mas o conjunto de prioridades impostas pelos 
ricos ao resto do mundo"1; para uns poucos poderosos o planeta abriu-se 
cada vez mais; para milh�es de pessoas o mundo n�o oferece lugar e elas 
vagam errantes de um lado para outro; o crime organizado forma a coluna 
vertebral dos sistemas jur�dicos e dos governos (os ilegais fazem as leis e 
"cuidam da ordem p�blica"; e a "integra��o" mundial multiplica as fronteiras).

Deste modo, se ressaltarmos algumas das principais caracter�sticas da �poca 
atual, dir�amos: supremacia do poder financeiro, revolu��o tecnol�gica e 
inform�tica, guerra, destrui��o/despovoamento e reconstru��o/reordenamento, 
ataques aos Estados Nacionais, a conseq�ente redefini��o do poder e da 
pol�tica, o mercado como figura hegem�nica que permeia todos os aspectos da 
vida humana em todas as partes, maior concentra��o de riqueza em poucas 
m�os, maior distribui��o de pobreza, aumento da explora��o e do desemprego, 
milh�es de pessoas sem-teto, delinq�entes que integram o governo, 
desintegra��o de territ�rios. Em resumo: globaliza��o fragmentada.

Bem, segundo esta considera��o,  no caso dos intelectuais (haja vista que 
t�m a ver com a sociedade, o poder e o Estado) cabe perguntar: est�o 
padecendo do mesmo processo de destrui��o/despovoamento e 
reconstru��o/reordenamento? Que papel lhes atribui o poder financeiro? Como 
usam (ou s�o usados pelos) os avan�os tecnol�gicos e de inform�tica? Que 
posi��o t�m nessa guerra? Como se relacionam com os combalidos Estados 
Nacionais? Qual o seu v�nculo com esse poder e pol�tica? Que lugar t�m no 
mercado? E como se posicionam frente �s conseq��ncias pol�ticas e sociais 
da globaliza��o? Em suma: como se inserem nesta globaliza��o fragmentada?

O mundo teria mudado por e para esta guerra. Se as coisas de fato s�o 
assim, os intelectuais cl�ssicos n�o existiriam mais, nem suas antigas 
fun��es. Em seu lugar, uma nova gera��o de "cabe�as pensantes" (para usar 
um termo criado pelo comandante zapatista Tacho) teria emergido (ou est� 
por emergir) e teriam novas fun��es em sua atividade intelectual.

Ainda que pretendamos aqui nos limitar aos intelectuais de direita, ser�o 
evidentes algumas observa��es sobre os intelectuais em geral e sobre suas 
rela��es com o poder. Como o prop�sito deste texto � participar e alentar a 
pol�mica entre os intelectuais de direita e esquerda, fica aqui uma 
reflex�o mais profunda (sobre os intelectuais e o poder, e sobre os 
intelectuais e a transforma��o) para futuro e improv�veis escritos.

Sauda��es, e tenha � m�o seu controle remoto. Em um momento come�amos...

I -- A GLOBALIZA��O: PAY PER VIEW

Na p�gina do calend�rio, o ano dois mil est� entre os s�culos 20 e 21. N�o 
me parece t�o importante esta contagem de tempo, mas me parece que � um 
momento adequando para que, por todos os lados, surjam ox�moros. Para n�o 
ir muito longe, poderia dizer que esta �poca � o princ�pio do fim ou o fim 
do princ�pio de "algo". "Algo", forma irrespons�vel de eludir um problema. 
Por�m j� se sabe que nossa especialidade n�o � a solu��o de problemas, e 
sim sua cria��o. "Sua cria��o?" N�o, � muito presun�oso, melhor seria dizer 
sua proposi��o. Sim, nossa especialidade � propor problemas. Tudo parece j� 
ter acontecido antes, como um velho filme que se repete com outras imagens, 
outros recursos cinematogr�ficos, incluindo atores diferentes, mas com o 
mesmo roteiro. Como se a modernidade (ou a "p�s-modernidade", deixo a 
precis�o para quem se d� ao trabalho) da globaliza��o se vestisse com seu 
ox�moro e nos presenteasse com uma modernidade arcaica, ran�osa e antiga.

Se isto que digo lhes parece mera aprecia��o subjetiva, atribua ao fato de 
estarmos na montanha, resistindo e em rebeldia, mas conceda-nos o 
privil�gio da leitura e veja se trata-se de um sintoma a mais de "mal de 
montanha", ou voc� compartilha desta sensa��o de dej� vu que flui pelo 
hipercinema que � este mundo globalizado.

O mundo n�o � quadrado, pelo menos isso � o que nos ensinam na escola. 
Por�m, no fio cortante da uni�o dos mil�nios, o mundo tamb�m n�o � redondo. 
Ignoro qual seja a figura geom�trica adequada para representar a forma 
atual do mundo, mas, haja visto que estamos na �poca da comunica��o digital 
audiovisual, poder�amos tentar defini-la como uma gigantesca tela. Voc� 
pode agregar "uma tela de televis�o", ainda que eu prefira "uma tela de 
cinema". N�o apenas por preferir o cinema, tamb�m (e acima de tudo) porque 
me parece que h� na nossa frente uma pel�cula, uma velha pel�cula, 
modernamente velha (para seguir com ox�moro).

�, al�m disso, uma dessas telas onde se pode programar a apresenta��o 
simult�nea de v�rias imagens (picture in picture, a chamam). No caso do 
mundo globalizado, de imagens que se sucedem em qualquer rinc�o do planeta. 
Mas ali n�o est�o todas as imagens. E n�o por falta de espa�o na tela, mas 
porque "algu�m" selecionou estas imagens e n�o outras. Quer dizer, estamos 
vendo uma tela com diversos quadros que apresentam imagens simult�neas -- 
de diferentes partes do mundo, � certo --, mas nem todo o mundo est� ali.

Ao chegar neste ponto, a gente se pergunta, inevitavelmente, "quem tem o 
controle remoto desta tela audiovisual? E quem faz a programa��o?" Boas 
perguntas, mas voc� n�o encontrar� aqui estas respostas. E n�o apenas 
porque n�o as temos de ci�ncia certa, mas tamb�m porque n�o s�o o tema 
deste texto.

Posto que n�o podemos trocar de canal no cinema, vejamos alguns dos 
diferentes quadros que nos oferece a mega tela da globaliza��o.

Vamos ao continente americano. L� voc� tem, num quadro, a imagem da 
Universidade Nacional Aut�noma do M�xico (UNAM) ocupada por um grupo 
paramilitar do governo: a chamada Pol�cia Federal Preventiva. N�o parece 
que estes homens de uniforme cinza estejam estudando. Mais 
adiante,demarcada pelas montanhas do sudeste mexicano, uma coluna de 
tanques blindados cinzas cruza uma comunidade ind�gena do Chiapas. Do outro 
lado, a imagem cinza apresenta um policial norte-americano que det�m, com 
uma viol�ncia requintada, um jovem em um lugar que pode ser Seatlle ou 
Washington.

No quadro europeu proliferam tamb�m os cinzas. Na �ustria, � Joer Heider e 
seu fervor pr�-nazi. Na It�lia, com a ajuda desinteressada de D'Alema, 
Silvio Berlusconi arruma a gravata. No Estado Espanhol, Felipe Gonz�les 
maquia o rosto de Jos� Maria Aznar. Na Fran�a � Le Pen quem nos sorri.

A �sia, �frica e Oceania apresentam a mesma cor, que se repete nos seus 
respectivos rinc�es.

Humm... tantos cinza... Humm... n�s podemos protestar... depois de tudo, 
eles nos prometeram um programa multicor... Pelo menos, aumentemos o 
volume. Vamos tentar entender que isso �...


II. - UM ESQUECIMENTO MEMOR�VEL

Como a globaliza��o fragmentada, os intelectuais est�o a�, s�o uma 
realidade da sociedade moderna.  E o "estar a�" deles n�o se limita � �poca 
atual, remonta aos primeiros passos da sociedade humana. Mas a arqueologia 
dos intelectuais escapa a nosso conhecimento e possibilidades, por isso 
partimos do fato de que "est�o a�" Em todo caso, o que nos propomos a 
descobrir � a sua forma de "estar a�".

"Os intelectuais enquanto categoria s�o algo muito vago, j� se sabe. 
Diferente, por outro lado, � definir a "fun��o intelectual".  A fun��o 
intelectual consiste em determinar criticamente o que se considera uma 
aproxima��o satisfat�ria do pr�prio conceito de verdade; e qualquer um pode 
desenvolv�-la, inclusive um marginal que reflita de alguma forma sobre sua 
pr�pria condi��o e de alguma maneira a expresse, enquanto um escritor pode 
tra�-la por reagir aos acontecimentos com paix�o, sem impor o crivo da 
reflex�o"2.

Se � assim, ent�o o trabalho intelectual �, fundamentalmente, anal�tico e 
cr�tico. Frente a um fato social (para nos limitar a um universo), o 
intelectual analisa o evidente, o afirmativo e o negativo, buscando o 
amb�guo, o que n�o � nem uma coisa nem outra (embora assim se apresente) e 
mostra (comunica, desvenda, denuncia) n�o apenas o que n�o � evidente, mas 
inclusive o que se contradiz ao evidente.

� de se supor que as sociedades humanas tenham pessoas que se dediquem 
profissionalmente a esta an�lise cr�tica e a comunicar seus resultados. Nas 
palavras de Norberto Bobbio: "Os intelectuais s�o todos aqueles para os 
quais transmitir mensagens � a ocupa��o habitual e consciente (...) e, 
falando de uma maneira que pode at� parecer brutal, quase sempre representa 
a maneira de ganhar o p�o de cada dia". Fiquemos com esta aproxima��o ao 
intelectual, ao profissional da an�lise cr�tica e da comunica��o.

J� hav�amos sido advertidos de que o intelectual nem sempre exerce a fun��o 
intelectual. "A fun��o intelectual se exerce sempre com anteced�ncia (ao 
que pode acontecer) ou com atraso (sobre o que j� aconteceu); raramente 
sobre o que est� acontecendo, por raz�es de ritmo, porque os acontecimentos 
s�o sempre mais r�pidos e urgentes que a reflex�o sobre os acontecimentos"3.

Por sua fun��o intelectual, este profissional da an�lise cr�tica e sua 
comunica��o seria uma esp�cie de consci�ncia inc�moda e impertinente da 
sociedade (nesta �poca da sociedade globalizada) em seu conjunto e de suas 
partes. Um inconformado com tudo, com as for�as pol�ticas e sociais, com o 
Estado, com o governo, com os meios de comunica��o, com a cultura, com as 
artes, com a religi�o e mais o que o leitor quiser agregar. Se o ator 
social diz "aqui est�", o intelectual murmura, c�tico: "falta", ou "sobra 
algo".

Ter�amos ent�o que o intelectual em seu papel � um cr�tico da imobilidade, 
um promotor da mudan�a, um progressista. No entanto, este comunicador de 
id�ias cr�ticas est� inserido em uma sociedade polarizada, confrontada 
entre si mesma de muitas maneiras e com diferentes argumentos, mas dividida 
fundamentalmente entre os que usam o poder para que as coisas n�o mudem e 
os que lutam pela mudan�a. "O intelectual deve, por um elementar sentido de 
rid�culo, compreender que n�o lhe � outorgado um papel de bruxo do esp�rito 
em torno do qual vai girar o ser ou n�o ser hist�rico, mas evidentemente 
ele tem conhecimentos (...) que pode alinhar em um ou outro sentido 
hist�rico. Pode alinhar na busca da elucida��o das injusti�as presentes no 
mundo atual ou na cumplicidade com a paralisa��o e a instala��o do Limbo.4"

E � aqui que o intelectual opta, elege, escolhe entre sua fun��o 
intelectual e a fun��o que lhe prop�em os atores sociais. Aparece assim a 
divis�o (e a luta) entre intelectuais progressistas e reacion�rios. Ambos 
seguem trabalhando com a comunica��o de an�lise cr�tica, mas enquanto os 
progressistas continuam  na cr�tica da imobilidade, da perman�ncia, da 
hegemonia e do homog�neo; os reacion�rios desenvolvem a cr�tica � mudan�a, 
ao movimento, � rebeli�o, e � diversidade. O intelectual reacion�rio 
"esquece" sua fun��o intelectual, renuncia � reflex�o cr�tica e sua mem�ria 
opera de modo que n�o exista passado ou futuro. O presente e o imediato s�o 
o �nico tempo poss�vel e, por isso, inquestion�vel.

   Ao dizer "intelectuais progressistas e reacion�rios" nos referimos aos 
intelectuais "de esquerda e de direita". Aqui conv�m lembrar que o 
intelectual de esquerda exerce sua fun��o intelectual, ou seja, sua an�lise 
cr�tica tamb�m frente � esquerda (social, partid�ria, ideol�gica), mas na 
�poca atual sua cr�tica � fundamentalmente dirigida ao poder hegem�nico: o 
dos senhores do dinheiro e quem os representa no campo da pol�tica e das 
id�ias.

Deixemos agora os intelectuais progressistas e de esquerda, e vamos aos 
intelectuais reacion�rios, a direita intelectual.


III -- O PRAGMATISMO INTELECTUAL

No princ�pio os gigantes intelectuais de direita foram progressistas. Falo 
dos grandes intelectuais de direita, os "think tanks" da rea��o, n�o dos 
an�es que foram ingressando aos seus clubes "pensantes". Octavio Paz, 
excelente poeta e ensa�sta, o maior intelectual de direita dos �ltimos anos 
no M�xico, declarou: "Venho do pensamento chamado de esquerda. Foi algo 
muito importante na minha forma��o. N�o sei agora...a �nica coisa que sei � 
que meu di�logo - �s vezes minha discuss�o - � com eles (os intelectuais de 
esquerda). N�o tenho muito para falar com os outros"5. Casos como o de Paz 
se repetem pela mega tela global.


O intelectual progressista, enquanto comunicador de an�lise cr�tica, se 
converte em objeto e objetivo para o poder dominante. Objeto a comprar e 
objetivo a destruir. Enormes recursos s�o mobilizados para as duas coisas. 
O intelectual progressista "nasce" em meio a este ambiente de sedu��o 
persecut�ria. Alguns resistem e se defendem (quase sempre sozinhos, a 
solidariedade entre grupos n�o parece ser a caracter�stica do intelectual 
progressista), mas outros, talvez fatigados, vasculham sua bagagem de 
id�ias e tiram as que s�o ao mesmo tempo cr�tica e raz�o para legitimar o 
poder. O novo exige muito, o velho a� est�, sendo que basta usar o 
argumento de "inevit�vel" para que lhe ofere�am uma c�moda poltrona (�s 
vezes em forma de bolsa de estudos, posi��o, pr�mio, espa�o) por conta do 
Pr�ncipe antes t�o criticado.

"O inevit�vel" tem nome hoje: globaliza��o fragmentada, pensamento �nico -- 
isto �, "a tradu��o em termos ideol�gicos e com pretens�o universal dos 
interesses de um conjunto de for�as econ�micas, em particular as do capital 
internacional6". Fim da hist�ria, onipresen�a e onipot�ncia do dinheiro, 
substitui��o da pol�tica pela pol�cia, o presente como �nico futuro 
poss�vel, racionaliza��o da desigualdade social, justifica��o da 
sobre-explora��o dos seres humanos e recursos naturais, racismo, 
intoler�ncia, guerra.

Em uma �poca marcada por dois novos paradigmas, comunica��o e mercado, o 
intelectual de direita (e o ex-esquerda) entende que ser "moderno" 
significa seguir o slogan: adaptam-se ou percam vossos privilegiados lugares!

N�o � necess�rio nem ser original, o intelectual de direita j� tem o 
canteiro de onde haver� de tirar as pedras que adornem a globaliza��o 
fragmentada: o pensamento �nico. A assepsia n�o importa muito, o pensamento 
�nico tem suas principais "fontes" no Banco Mundial, no Fundo Monet�rio 
Internacional, na Organiza��o para a Coopera��o e Desenvolvimento 
Econ�mico, na Organiza��o Mundial do Com�rcio, na Comiss�o Europ�ia, no 
Bundesbank, no Banco da Fran�a "que, mediante seu financiamento, alinham a 
servi�o de seus ideais, em todo o planeta, numerosos centros de 
investiga��o, universidades e funda��es, os quais, por sua vez,anunciam e 
difundem a boa nova"7.

Com tal abund�ncia de recursos, � f�cil que flores�am elites que h� muitos 
anos, empenham-se a fundo em fazer o elogio ao "pensamento �nico"; que 
exercem uma verdadeira chantagem contra toda reflex�o cr�tica em nome da 
"moderniza��o", do "realismo", da "responsabilidade" e da "raz�o"; que 
afirmam o "car�ter inevit�vel" da atual evolu��o das coisas; que prop�em a 
capitula��o intelectual, que condenam � escurid�o irracional  todos aqueles 
que se negam as aceitar que "o estado natural da sociedade � o mercado"8.

Longe da reflex�o, do pensamento cr�tico, os intelectuais de direita 
tornam-se pragm�ticos por excel�ncia, exilados da fun��o intelectual e 
transformados em ecos, mais ou menos estilizados, dos spots publicit�rios 
que inundam o mega mercado da globaliza��o fragmentada.

Refuncionalizados na globaliza��o fragmentada, os intelectuais de direita 
modificam seu ser e adquirem novas "virtudes" (entre elas reaparece o 
ox�moro): uma audaz covardia e uma profunda banalidade. Ambas brilham em 
suas "an�lises" do presente globalizado e suas contradi��es, suas revis�es 
do passado hist�rico, suas clarivid�ncias. Podem dar-se ao luxo da audaz 
covardia e da profunda banalidade, j� que a hegemonia universal quase 
absoluta do dinheiro os protege com torres de vidro blindado. Por isso, a 
direita intelectual � particularmente sect�ria e tem, al�m disso, o 
respaldo de n�o poucos meios de comunica��o e governos. Ingressar nessas 
altas torres intelectuais n�o � f�cil, � preciso renunciar � imagina��o 
cr�tica e autocr�tica, � intelig�ncia, � argumenta��o, � reflex�o, e optar 
pela nova teologia: a teologia liberal.

Posto que a globaliza��o vende-se como o melhor dos mundos poss�veis, mas 
carece de exemplos concretos de vantagens para a humanidade, � preciso 
recorrer � tecnologia e substituir com dogmas e f� neoliberal a falta de 
argumentos. O papel do te�logo neoliberal inclui denunciar e perseguir os 
"hereges", os "mensageiros do mal", ou seja, os intelectuais de esquerda. E 
que melhor forma de combater os cr�ticos que acus�-los de "messianismo"?

Frente ao intelectual de esquerda, o de direita imp�e o r�tulo lapidar de 
"messianismo tresloucado". Quem pode questionar um presente pleno de 
liberdades, onde qualquer um pode decidir o que comprar, sejam artigos de 
primeira necessidade, ideologias, propostas pol�ticas e comportamentos para 
qualquer ocasi�o?

Mas o paradoxo n�o perdoa. Se em algum lado h� messianismo, � na direita 
intelectual. "O Grande Circo de Intelectuais Neoliberais Quimicamente Puros 
ou Ex Marxistas Arrependidos ou a Trilateral pode ser messi�nico quando 
pressagia a fatalidade de um universo baseado em uma verdade �nica, o 
mercado �nico e o ex�rcito -- gendarme �nico vigiando o brilho do flash que 
registra a foto final da Hist�ria, disparado ante as melhores paisagens das 
melhores sociedades abertas.9"

A foto final. O cen�rio culminante do filme da globaliza��o.


IV- OS CLARIVIDENTES CEGOS

Parafraseando R�gis Debray , o problema aqui n�o � por que ou como a 
globaliza��o � irremedi�vel, mas sim por que ou com todo o mundo, ou quase, 
acredita que ela seja irremedi�vel. Uma resposta poss�vel: "A tecnologia do 
fazer-crer (...) O poder da informa��o.. .Inf-formar:dar forma, formatar. 
Con-formar: dar conformidade. Trans-formar: modificar uma situa��o"10.

Com a globaliza��o da economia, globaliza-se tamb�m a cultura. E a 
informa��o. Normal, portanto, que as grandes empresas de comunica��o 
"estendam" sobre o mundo inteiro sua rede eletr�nica sem que nada nem 
ningu�m as impe�a. "Nem Ted Turner, da CNN; nem Rupert Murdoch, da News 
Corporation Limited; nem Bill Gates, da Microsoft; nem Jeffrey Vinik, da 
Fidelity Investments; nem Larry Rong, do China Trust and International 
Investment; nem Robert Allen, de ATT; assim como George Soros ou dezenas de 
outros novos amos do mundo, submeteram jamais seus projetos ao sufr�gio 
universal11"

Na globaliza��o fragmentada, as sociedades s�o fundamentalmente sociedades 
midi�ticas. As m�dias s�o o grande espelho, n�o do que uma sociedade �, mas 
do que deve aparentar. Plena de tautologias e evid�ncias, a sociedade 
midi�tica � avara em raz�es e argumentos. Aqui, repetir � demonstrar.

E o que se repete s�o as imagens, como estes cinzas que nos mostra agora a 
grande tela globalizada. Debray nos disse: A equa��o da era visual � algo 
assim como: o vis�vel = o real = o verdadeiro. Eis aqui a idolatria 
revisitada (e sem d�vida redefinida)"12. Os intelectuais de direita t�m 
aprendido bem sua li��o. Mais, � um dos dogmas de sua teologia.

Onde se deu o salto que iguala o vis�vel ao verdadeiro? Truques da tela 
globalizada.

O mundo inteiro, melhor ainda, o conhecimento inteiro est� � m�o de 
qualquer um com uma televis�o ou um computador port�til. Sim, mas n�o 
qualquer mundo e n�o qualquer conhecimento. Debray explica que o centro de 
gravidade das informa��es foi deslocado do escrito para o audiovisual, do 
signo para a imagem. As vantagens para os intelectuais de direita (e as 
desvantagens para os progressistas) s�o �bvias.

Analisando o comportamento da informa��o na Fran�a durante a guerra do 
Golfo P�rsico, se revela o poder das m�dias: no come�o do conflito, 70% dos 
franceses mostravam-se hostis � guerra; no final, a mesma porcentagem 
aprovava-a. Sob o bombardeio das m�dias, a opini�o p�blica francesa "mudou" 
e o governo obteve as vantagens por sua participa��o b�lica.

Estamos na "era visual". Assim, as informa��es apresentam-se na evid�ncia 
de sua imediatez, portanto � real o que nos � mostrado, portanto � 
verdadeiro o que vemos. N�o h� lugar para a reflex�o intelectual cr�tica, 
no m�ximo h� espa�o para comentaristas que "completem" a leitura da imagem. 
O visual desta era n�o foi feito para ser visto, mas para oferecer 
"conhecimento". O mundo tornou-se uma mera representa��o multim�dia, que 
omite o mundo exterior, capaz de ser conhecida na mesma medida em que � 
vista. Sim, ind�cios do terceiro mil�nio, s�culo XXI, e a filosofia 
flutuante em nosso mundo "moderno" � o idealismo absoluto.

J� se pode tirar algumas conclus�es: o novo intelectual de direita tem que 
desempenhar sua fun��o legitimadora na era visual; optar pelo direto e 
imediato; passar do signo � imagem e da reflex�o ao coment�rio televisivo. 
Nem ao menos tem que se esfor�ar para legitimar um sistema totalit�rio, 
brutal, genocida, racista, intolerante e excludente. O mundo que � objeto 
de sua "fun��o intelectual" � o apresentado pelos meios de comunica��o: uma 
representa��o virtual. Se no hipermercado da globaliza��o o Estado-Nacional 
se  redefine como uma empresa, mais, os governantes como gerentes de vendas 
e os ex�rcitos e pol�cias em ag�ncias de vigil�ncia, ent�o a direita 
intelectual faz o papel de rela��es p�blicas.

  Em outras palavras, na globaliza��o, os intelectuais de direita s�o 
"multiuso", coveiros da an�lise cr�tica e da reflex�o, ilusionistas nas 
rodas de moinho da teologia neoliberal, "pontos" de governos que esqueceram 
o "script", comentaristas do evidente, instigadores de soldados e pol�cias, 
juizes gn�sticos que separam em r�tulos de "verdadeiro" e "falso" o que 
lhes conv�m. Guarda-costas te�ricos do Pr�ncipe, e anunciadores da "nova 
hist�ria".


V- O FUTURO PASSADO

  "Queimar livros e erguer fortifica��es � tarefa comum dos pr�ncipes", 
disse Jorge Luis Borges. E acrescenta que todo o pr�ncipe quer que a 
hist�ria comece a partir dele. Na era da globaliza��o fragmentada n�o se 
queimam livros (embora ergam-se fortifica��es), eles apenas s�o 
substitu�dos. Mesmo desta maneira, mais que suprimir a hist�ria, o pr�ncipe 
neoliberal instrui seus intelectuais para que a refa�am de maneira que o 
presente seja o fim dos tempos.

"Os Maquiadores da Hist�ria", assim Luis Hern�ndez Navarro intitulou um 
artigo dedicado ao debate com os intelectuais de direita no M�xico13. Al�m 
de provocar o presente texto (escrito com a inten��o de dar seguimento �s 
suas posi��es), Hern�ndez Navarro adverte sobre uma nova ofensiva: a nova 
direita intelectual dirige suas baterias contra figuras representativas da 
intelectualidade progressista mexicana."Rentista tardia da tranq�ilidade 
planet�ria do "pensamento �nico", renegada de sua identidade, herdeira de 
papel passado da queda do muro de Berlim, s�cia e emuladora do circuito 
cultural conservador norte-americano, esta direita est� convencida de que a 
cr�tica cultural outorga credenciais suficientes para emitir, sem 
argumenta��o, ju�zos sum�rios a seus advers�rios no terreno pol�tico".

As raz�es n�o-ideol�gicas deste ataque devem ser buscadas na disputa pelo 
espa�o de credibilidade. No M�xico os intelectuais de esquerda t�m grande 
influ�ncia na cultura e na universidade. Estorvam, esse � o seu delito.

Ou melhor, este � um de seus delitos. Outro � o apoio destes intelectuais 
progressistas � luta zapatista por uma paz justa e digna, pelo 
reconhecimento dos direitos dos povos ind�genas e pelo fim da guerra contra 
os �ndios do pa�s. Este pecado n�o � menor. "O levante zapatista inaugura 
uma nova etapa, a do come�o dos movimentos ind�genas como atores da 
oposi��o � globaliza��o neoliberal"14. N�o somos os melhores nem os �nicos 
: a� est�o os ind�genas do Equador e do Chile, os protestos em Seattle e 
Washington (e os que se sigam em ordem cronol�gica, n�o em import�ncia) Mas 
somos uma das imagens que distorcem a mega tela da globaliza��o fragmentada 
e, como fen�meno social e hist�rico, demandamos reflex�o e an�lise cr�tica.

E a reflex�o e a an�lise cr�tica n�o est�o no "arsenal" da direita 
intelectual. Como cantar as gl�rias da nova ordem mundial (e sua imposi��o 
no M�xico) se um grupo de ind�genas "pr�-modernos" n�o apenas desafia o 
poder, mas tamb�m conquista a simpatia de uma importante faixa dos 
intelectuais ? Em conseq��ncia, o Pr�ncipe ditou suas ordens: "ataquem uns 
e outros, eu entro com o ex�rcito e os meios de comunica��o, voc�s, com as 
id�ias". Assim a nova direita intelectual dedicou zombarias e cal�nias a 
seus pares da esquerda. Aos ind�genas rebeldes zapatistas, nos 
dedicou...uma nova hist�ria.

E, enquanto o zapatismo teve impacto internacional, a direita intelectual, 
em v�rias partes do mundo (n�o apenas no M�xico), dedicou-se a esta tarefa. 
Os intelectuais de direita n�o apenas maquiam a hist�ria, refazem-na, 
reescrevem-na � conveni�ncia do Pr�ncipe e � maneira de sua fun��o intelectual.

Mas voltemos ao M�xico. "Ao longo deste s�culo, os intelectuais no M�xico 
t�m desempenhado fun��es diversas: cortes�os de luxo do poder de turno, 
decora��o do Estado, vozes dissidentes (que, para institucionalizar-se, s�o 
chamadas Consci�ncias Cr�ticas), int�rpretes privilegiados da hist�ria e da 
sociedade, espet�culos em si mesmos"15.

O �ltimo grande intelectual de direita no M�xico, Octavio Paz, cumpriu 
cabalmente o trabalho encomendado pelo Pr�ncipe. N�o economizou palavras 
para desprestigiar os zapatistas e quem mostrasse simpatia por sua causa 
(aten��o: n�o por sua forma de luta). Uma das melhores mostras de Paz a 
servi�o do Pr�ncipe est� em seus textos e declara��es do in�cio de 1994. 
Ali, Octavio Paz definia n�o o EZLN, mas sim os argumentos sobre os quais 
seus soldados intelectuais deveriam se aprofundar: mao�smo, messianismo, 
fundamentalismo, e alguns outros "ismos" mais que agora escapam � mem�ria. 
Frente aos intelectuais progressistas, Paz n�o economizou acusa��es: eles 
eram respons�veis pelo "clima de viol�ncia" que marcou o ano de 1994 (e 
todos os anos do M�xico moderno, mas a direita intelectual nunca brilhou 
por sua mem�ria hist�rica). Concretamente, pelo assassinato do candidato 
oficial � presid�ncia da Republica, Colosio. Anos depois, antes de morrer, 
Paz retificaria e assinalaria que o sistema estava em crise e que, mesmo 
sem o levante zapatista, estes fatos ocorreriam de qualquer forma16.

Nenhum dos atuais herdeiros de Paz t�m sua estatura, mesmo que n�o lhes 
falte ambi��o para ocupar seu lugar. N�o como intelectuais, pois lhes falta 
intelig�ncia e brilho, mas pelo lugar privilegiado que ocupou ao lado do 
Pr�ncipe. Ainda assim, fazem sua luta. E seguem empenhados em criar, para o 
zapatismo, uma hist�ria que lhes seja c�moda -- n�o apenas para atac�-lo, 
mas sim, sobretudo, para evitar a an�lise cr�tica e a reflex�o s�ria e 
respons�vel.

Mas n�o apenas a hist�ria do zapatismo e dos povos �ndios os intelectuais 
de direita reescrevem. A hist�ria inteira do M�xico est� sendo refeita para 
demonstrar que estamos, agora, no melhor dos M�xicos poss�veis. � dessa 
maneira que os an�es da direita intelectual revisam o passado e nos vendem 
uma nova imagem de Porf�rio D�az, de Santa Ana, de Calleja, de C�rdenas.

E esta �nsia de reescrever a hist�ria n�o � exclusiva do M�xico. Na tela da 
globaliza��o, j� nos � oferecida uma nova vers�o, onde o Holocausto nazi 
contra os judeus foi uma esp�cie de Disneyl�ndia seletiva, Adolf Hitler � 
uma esp�cie de alegre Mickey Mouse ariano e, mais recentemente, as guerras 
do Golfo P�rsico e de Kosovo foram "humanit�rias". No futuro passado que 
nos prepara a direita intelectual, a globaliza��o � o deus ex machina que 
trabalha sobre o mundo para preparar seu pr�prio advento.

Mas, essas imagens cinzas que nos mostra agora a mega tela da globaliza��o, 
que futuro anunciam?


VI- O LIBERAL FASCISTA

Eu digo que este filme j� foi visto antes, e se n�o nos lembramos � porque 
a hist�ria n�o � um artigo atrativo no mercado globalizado. Esses cinzas 
podem significar algo: a reapari��o do fascismo.

Paran�ia? Umberto Eco, em um texto chamado "O fascismo eterno", de obra j� 
citada, d� algumas chaves para entender que o fascismo segue latente na 
sociedade moderna e que, ainda que pouco prov�vel que se repitam os campos 
de exterm�nio nazistas, alguns lugares do planeta assistem ao que se chama 
"Ur Fascismo". Depois de advertir que o fascismo era um totalitarismo 
fuzzy, ou seja, disperso, difuso em todo o social, prop�e algumas de suas 
caracter�sticas: rejei��o ao avan�o do saber, irracionalismo, a cultura � 
suspeita de fomentar atitudes cr�ticas, o que n�o est� de acordo com o 
hegem�nico � uma trai��o, medo da diferen�a e racismo, surge da frustra��o 
individual ou social, xenofobia, os inimigos s�o, ao mesmo tempo, fortes 
demais e fracos demais, a vida � uma guerra permanente, elitismo 
aristocr�tico, sacrif�cio individual para o benef�cio da causa, machismo, 
populismo qualitativo difundido pela televis�o, "neolinguagem" (de l�xicos 
pobres e sintaxe elementar).

Todas estas caracter�sticas podem ser encontradas nos valores que defendem 
e difundem as m�dias e os intelectuais de direita na era visual, na era da 
globaliza��o fragmentada. "Ser� que hoje, assim como ontem, n�o se est� 
usando o cansa�o democr�tico, a n�usea diante do nada, o desconcerto 
perante a desordem como aval para uma nova situa��o hist�rica de exce��o 
que requer um novo autoritarismo persuasivo, unificador da cidadania em 
clientes e consumidores de um sistema, um mercado, uma repress�o 
centralizada?", pergunta Manuel V�zquez Montalb�n na obra j� citada.

Olhe voc� para a mega tela, todos estes cinzas s�o a resposta � desordem. � 
o que � necess�rio para enfrentar quem se nega a desfrutar o mundo virtual 
da globaliza��o e resiste. E, no entanto, parece que o n�mero de 
descontentes cresce. Um dos an�es mexicanos que aspiram a ocupar a cadeira 
deixada por Octavio Paz constatava, terrificado, que em pesquisa feita no 
M�xico em 1994, pelo Instituto de Investiga��es Sociais da UNAM, 29% dos 
entrevistados dizia que as leis n�o devem ser obedecidas se injustas. Em 
novembro de 1999, para 49% das pessoas pesquisadas na revista "Educaci�n 
2001", a resposta � pergunta "pode o povo desobedecer as leis se elas 
parecem injustas?" era sim. Depois de reconhecer que � preciso resolver 
problemas de crescimento econ�mico, educa��o, emprego e sa�de, assinalava o 
autor: "Todas estes coisas s� podem ser alcan�adas se a sociedade est� 
segura num piso mais b�sico, que � o da seguran�a p�blica e do cumprimento 
da lei. Este piso est� cheio de buracos no M�xico, e tende a piorar"17.  O 
racioc�nio � sintom�tico: na falta de legitimidade e consenso, pol�cia!

O clamor da direita intelectual por "ordem e legalidade" n�o � 
exclusividade do M�xico. Na Fran�a, o fascista Le Pen est� disposto a 
responder ao chamado. Na �ustria, o neonazista Heider j� est� pronto, assim 
como o franquista Aznar no Estado Espanhol. Na It�lia, Berlusconi (ali�s, o 
"Duce Multimedia") e Gianfranco Fini se aprontam para o momento.

A Europa comparece novamente ao balc�o do fascismo? Soa duro...e distante. 
Mas a� est�o as imagens da mega tela. Estes skinheads que mostram seus 
porretes na esquina: est�o na Alemanha, na Inglaterra, na Holanda? "S�o 
minorit�rios e est�o sob controle", nos tranq�iliza o �udio da mega tela. 
Mas parece que o fascismo renovado nem sempre tem a cabe�a raspada e o 
corpo tatuado com su�sticas. Mesmo assim n�o deixa de ser uma direita sinistra.

Se digo "direita sinistra" pode parecer que jogo com as palavras e recorro 
novamente a ox�moro, mas quero chamar aten��o sobre algo. Depois da queda 
do murro de Berlim, o espectro pol�tico europeu, na sua maioria correu 
atropeladamente ao centro. Isso � evidente na esquerda tradicional 
europ�ia, mas tamb�m nos partidos de direita18. Com uma m�scara moderna,  a 
direita fascista come�a a conquistar espa�o que j� ultrapassa muito as 
notas policiais na m�dia. Isso s� � poss�vel porque est�o se esfor�ando 
para construir uma nova imagem, distante do passado violento e autorit�rio .

Tamb�m por estarem apropriando-se da teologia neoliberal com uma facilidade 
espantosa (por algo ser�), e porque em suas campanhas eleitorais est�o 
insistindo muito em temas de seguran�a p�blica e emprego (alertando contra 
a "amea�a" dos imigrantes). Alguma diferen�a das propostas da social 
democracia ou da esquerda tradicional?

O fascismo espreita por tr�s da "terceira via" europ�ia, e tamb�m da 
esquerda que n�o se define (em teoria e pr�tica) contra o neoliberalismo. 
�s vezes, a direita pode vestir-se com os trapos da esquerda. No M�xico, no 
recente debate televisivo entre os seis candidatos � presid�ncia da 
Rep�blica, o candidato que obteve consenso da direita intelectual foi 
Gilberto Rinc�n Gallardo, do Partido Democrata Social, aparentemente de 
esquerda. Por acaso a televis�o n�o mostrou que alguns dos militantes e 
candidatos do PDS em Chiapas s�o l�deres de v�rios grupos paramilitares, 
respons�veis, entre outras coisas, pelo massacre de Acteal.

Que a direita fascista e a nova direita intelectual estejam prontas para 
mostrar suas habilidades aos senhores do dinheiro n�o surpreende. O 
desconcertante � que, algumas vezes, s�o a social-democracia ou a esquerda 
institucional quem lhes prepara o caminho.

Se no Estado Espanhol, Felipe Gonz�lez (este pol�tico t�o aplaudido pela 
direita intelectual) trabalhou para a vit�ria do direitista Partido Popular 
de Jos� Mar�a Aznar, na It�lia, o caminho pelo qual a direita se dirige ao 
poder chama-se Massimo D�Alema. Antes de renunciar, D�Alema fez todo o 
necess�rio para que a esquerda naufragasse. "D�Alema e os seus financiaram 
com o dinheiro de todos a educa��o religiosa e prepararam a privatiza��o da 
(educa��o) p�blica, participaram plenamente da aventura da OTAN contra a 
Iugosl�via e da ocupa��o virtual da Alb�nia, privatizaram o que puderam, 
atentaram contra os aposentados, reprimiram os imigrantes, submeteram-se a 
Washington, reabilitaram os corruptos e at� mesmo a Bettino Craxi, em cuja 
resid�ncia no ex�lio, como fugitivo da justi�a, desfilaram para pedir-lhe 
ajuda, redigiram uma lei sobre os carabineros ditada pelo comando golpista 
dos mesmos...19" Resultado? Boa parte do eleitorado de esquerda se absteve 
de votar.

Na complicada geometria pol�tica europ�ia, a chamada  "terceira via" n�o 
apenas tem resultado letal para a esquerda, mas tamb�m tem sido o ponto de 
partida do neofascismo.

Talvez esteja exagerando, mas "a mem�ria � uma faculdade estranha. Quanto 
mais intenso e isolado � o est�mulo que a mem�ria recebe, mais lembra-se; 
quanto mais amplo, menos intensa � a lembran�a20", e eu suspeito que esta 
avalanche de imagens cinzas na tela � para que lembremos com menos 
intensidade, com pregui�a, desejando esquecer.

E se os livros n�o mentem (ver Umberto Eco, em obra citada), foi o fascismo 
italiano que chamou muitos l�deres liberais europeus porque consideravam 
que estavam levando a cabo interessantes reformas sociais, e poderiam ser 
uma alternativa � "amea�a comunista".

Em agosto de 1997, Fausto Bertinotti, (secretario do Partido de Refunda��o 
Comunista italiano), escreveu em uma carta ao EZLN: "Est� aberta, na 
Europa, uma verdadeira crise de civiliza��o. Poder�amos, infelizmente, 
narrar centenas, milhares de epis�dios de barb�rie cotidiana, de viol�ncia 
gratuita, de agress�o a pessoas, ao corpo, de tr�fico de pessoas, de 
corpos, de �rg�os, sem nenhum sentido. E acima de tudo, com uma grossa capa 
de indiferen�a, como se a vida tivesse perdido o sentido. Poderia contar 
coisas que acontecem na periferia urbana, realidade e met�fora da trag�dia 
humana em que se transformou este novo ciclo de desenvolvimento capitalista".

Diante desta vida sem sentido, o liberal fascista oferece sua cara am�vel e 
argumenta, ressaltando suas bondades, em favor do recurso � viol�ncia 
legalizada, institucional.

O horizonte anuncia a tempestade, e a direita intelectual trata de nos 
tranq�ilizar dizendo que n�o � mais que uma chuva, sem import�ncia. Tudo 
para garantir o p�o, o sal...e seu lugar junto ao Pr�ncipe. Protegei-o! N�o 
importa que sua camisa seja cinza e em seu aconchegante seio se cultive o 
ovo da serpente.

"O ovo da serpente". Sim, se n�o me engano, � o t�tulo de um filme de 
Bergman que descreve o ambiente em que se gestou o fascismo. E o que fazer? 
Continuarmos sentados at� que termine o filme? Sim? N�o? Um momento! Muitos 
j� levantaram de seus lugares e fazem alvoro�o!  O burburinho aumenta! 
Alguns atiram objetos na tela e vaiam! Em vez de dirigir-se � tela, v�o 
para cima! Como se quisessem encontrar o projetor do filme! E parece que o 
encontraram pois apontam insistentemente para um lugar l� no alto! Quem s�o 
essas pessoas e com que direito  interrompem a proje��o? Uma delas levanta 
uma faixa que diz: "Tomemos ent�o, n�s, cidad�os comuns, a palavra e a 
iniciativa. Com a mesma veem�ncia e a mesma for�a com que reivindicamos 
nossos direitos, reivindiquemos tamb�m o dever de nossos deveres.21" O 
dever de nossos deveres? Que algu�m explique porque n�o entendemos nada! 
Sil�ncio! Algu�m toma a palavra...


VII- A C�TICA ESPERAN�A

Os intelectuais progressistas.  Os de esperan�a c�tica.  O soci�logo 
franc�s Alain Touraine prop�e uma classifica��o deles22: o mais cl�ssico � 
o intelectual que denuncia, onde toda a aten��o concentra-se sobre a 
cr�tica ao sistema dominante; o segundo tipo identifica-se com tal luta ou 
tal for�a de oposi��o e torna-se seu intelectual org�nico; o terceiro cr� 
na exist�ncia, na consci�ncia e na efic�cia dos atores, ao mesmo tempo em 
que conhece seus limites; o quarto s�o os ut�picos: identificam-se com as 
novas tend�ncias culturais, da sociedade ou da exist�ncia pessoal.  Todos 
eles (e elas, pois ser intelectual n�o � privil�gio masculino) empenham 
seus esfor�os em entender, criticamente, a sociedade, sua hist�ria e seu 
presente, e tratam de desentranhar a inc�gnita de seu futuro.

N�o � nada f�cil a vida dos pensadores progressistas.Em sua fun��o 
intelectual d�o-se conta de como v�o as coisas e, noblesse oblige, devem 
revel�-lo, exibi-lo, denunci�-lo, comunic�-lo. Mas para faz�-lo, precisam 
enfrentar a teologia neoliberal da direita intelectual, e por tr�s dela 
est�o a m�dia, os bancos, as grandes corpora��es, os Estados (ou o que 
resta deles), os governos, os ex�rcitos, as for�as policiais.

E devem faz�-lo, al�m disso, na era visual. Aqui est�o em franca 
desvantagem, pois � preciso levar em conta as grandes dificuldades em que 
implica enfrentar o poder da imagem unicamente com o recuso da palavra. Mas 
seu ceticismo frente �s apar�ncias j� lhes permitiu descobrir a trama. E 
com o mesmo ceticismo estruturam suas an�lises cr�ticas para desestruturar 
conceitualmente a m�quina das belezas virtuais e as mis�rias reais. H� 
esperan�a?

Fazer da palavra um bisturi e megafone � um desafio descomunal. E n�o 
apenas porque nesta �poca o reino � o da imagem. Tamb�m porque o despotismo 
da era visual confinou a palavra nos bord�is e nas barracas de truques e 
trampas. "Ainda assim, s� podemos confessar nossa confus�o e nossa 
impot�ncia, nossa ira e nossas opini�es, com palavras. Com palavras, 
nomeamos ainda nossas perdas e nossas resist�ncias porque n�o temos outro 
recurso, porque os homens est�o inevitavelmente abertos � palavra e porque 
pouco a pouco s�o elas que moldam nosso julgamento. Nosso julgamento, 
temido ami�de pelos detentores do poder, molda-se lentamente, como o leito 
de um rio, por meio de correntes de palavras. Mas as palavras s� formam 
correntes quando elas s�o profundamente cr�veis"23.

Credibilidade. Algo de que carece a direita intelectual e que, 
afortunadamente, sobra entre os intelectuais progressistas. Suas palavras 
produziram, e produzem em muitos, primeiro a surpresa; depois a inquietude. 
Para essa inquietude n�o seja abatida pelo conformismo que a era visual 
prescreve, fazem falta mais coisas que escapam do �mbito do trabalho 
intelectual.

Mas mesmo quando a palavra j� se transformou em corrente, a fun��o 
intelectual n�o termina. Os movimentos sociais de protesto diante do poder 
(neste caso, a globaliza��o e o neoliberalismo) devem ainda atravessar um 
longo caminho, n�o s� para conseguir seus objetivos, mas at� para se 
consolidar como alternativa de organiza��o para muitos. Enfim, � preciso 
reconhecer a responsabilidade particular dos intelectuais. Depende da a��o 
deles, mais do que qualquer outra categoria, saber se o protesto se 
esgotar� em den�ncia sem perspectiva ou, ao contr�rio, levar� � forma��o de 
novos atores sociais e, indiretamente, a novas pol�ticas econ�micas e 
sociais24.

O intelectual progressista se debate continuamente entre Narciso e 
Prometeu. �s vezes, a imagem no espelho o engana e come�a seu inexor�vel 
caminho de transmuta��o num empregado a mais do mega mercado neoliberal. 
Mas �s vezes ele quebra o espelho e descobre n�o apenas a realidade que 
est� por tr�s do reflexo, mas tamb�m outros que n�o s�o como ele mas que, 
como ele, est�o quebrando seus respectivos espelhos.

A transforma��o de uma realidade n�o � tarefa de apenas um ator, por mais 
forte, inteligente, criativo e vision�rio que possa ser. Sozinhos, nem os 
atores pol�ticos e sociais, nem os intelectuais podem levar a um bom termo 
essa transforma��o. � um trabalho coletivo. E envolve n�o apenas a��o, mas 
tamb�m an�lises da realidade e decis�es sobre os rumos e �nfases do 
movimento de transforma��o.

Contam que Michelangelo Buonarroti realizou seu "David" com s�rias 
limita��es materiais."O peda�o de m�rmore sobre o qual esculpiu j� havia 
sido trabalhado por outra pessoa, j� tinha perfura��es. O  talento do 
escultor consistiu em fazer uma figura que se ajustasse a estes limites 
intranspon�veis e t�o restritos, da� a postura, a inclina��o da pe�a final"25.

Da mesma maneira, o mundo que queremos transformar j� foi trabalhado antes 
pela hist�ria e tem muitas perfura��es. Devemos encontrar o talento 
necess�rio para, a partir destes limites, transform�-lo e fazer uma figura 
simples e sincera: um mundo novo.

Sa�de, e n�o esque�am que a id�ia � tamb�m um form�o.



Das montanhas do sudeste mexicano.

Subcomandante Insurgente Marcos
M�xico, abril de 2000.


PS: Algu�m tem um martelo � m�o?

(Tradu��o: Wilson Sobrinho)
1 Jorge Berger. Cada vez que decimos adi�s. Ediciones de la flor. 
Argentina, 1977. P�gs. 278-279
2 Umberto Eco. Cinco escritos morales. Ed. Lumen. Tradu��o Helena Lozano 
Miralles.  p. 14-15)
3 Umberto Eco. Op. Cit.  P. 29.
4 Manuel V�zquez Montalb�n.  Panfleto desde el planeta de los simios.  Ed. 
Drakontos. Barcelona 1995.  p. 48
5 Braulio Peralta  El poeta en su tierra. Di�logos con Octavio Paz.  Ed. 
Grijalbo.
6 Ignacio Ramonet. Un mundo sin rumbo. Crisis de fin de siglo. Editorial 
Debate. Madrid.
7 Ignacio Ramonet. Op. Cit. P. 111.
8 Ibid. P. 114.
9 Manuel V�zquez Montalb�n.  Op. Cit.  p. 47.
10 Regis Debray. Croire, Voir, Faire. Ed. Odile Jacob. Par�s 1999. P. 193.
11 Ignacio Ramonet.  Op. Cit.  p. 109.
12 R�gis Debray. Op. Cit. P. 200.
13 "Ojarasca", en La Jornada, 10 abril de 2000
14 Ivon Le Bot. "Los ind�genas contra el neoliberalismo", en La Jornada, 6 
mar�o 2000
15 Carlos Monsiv�is. "Intelectuales Mexicanos de fin de siglo" Viento del 
Sur 8. 1996. P. 43.
16 Braulio Peralta. Op. Cit.
17 H�ctor Aguilar Cam�n. "Leyes y Cr�menes". En "Esquina". Proceso 1225, 23 
de abril de 2000.
18 Ver Emiliano Fruta, "La nueva derecha europea", y Hern�n R. Moheno, "M�s 
all� de la vieja izquierda y la nueva derecha.", em Urbi et Orbi. ITAM. 
Abril 2000)
19  Guillermo Almeyra.  "La izquierda de la derecha" En La Jornada. 23 de 
abril de 2000
20  John Berger. Op. Cit. P.234.
21 Jos� Saramago. Discursos de Estocolmo. Ed. Alfaguara.
22 Comment sortir du lib�ralisme? Ed. Fayard. Par�s, 1999.
23 John Berger. Op. Cit. P. 255.
24 Alain Touraine. Op. Cit. P. 15.
25 Pablo Fern�ndez Christlieb. La afectividad colectiva. Ed. Taurus. P. 
164-165.






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